terça-feira, 3 de abril de 2012

Trago, Sol e Lua

Para além dos subsídios ao vinho do Porto por Methuen, convirá não esquecer o vinho de Colares.

No plano de fabricar o que falecia a Lisboa, Francisco de Holanda, em 1571, vai lembrar-se de juntar um projecto nos arredores de Lisboa... na foz do Rio Colares, ou seja na Praia das Maçãs, perto do Cabo da Roca. Eis o que Francisco de Holanda propõe a D. Sebastião:
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DOS CIPOS DO SOL E LUA
Outra memória de basas digna de lembrar e de imitar dos fiéis, faziam os antigos e infiéis, como eu vi, quando me o Infante Dom Luis, vosso tio, que Deus tem, levou a mostrar a Serra de Syntra, mandando-me para isso chamar a Lysboa, quando vim de Italia. E vimos na foz do rio de Colares, prezada noutro tempo dos romanos, sobre um pequeno outeiro junto ao mar Oceano, um círculo ao redor cheio de cipos e memórias dos imperadores de Roma que vieram aquele lugar; e cada um punha um cipo com seu letreiro ao 
SOL ETERNO E A LVA (*)
a quem aquele promontório foi dos gentios dedicado. 
O que nós espiritualmente podemos converter nos cipos ou embasamentos dos pés das cruzes que digo, em louvor e memória do verdadeiro SOL de justiça IESV CHRISTO, e da verdadeira e sempre cheia da sua graça S. MARIA N. SÑORA como se pode considerar deste desenho.
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O desenho de Holanda é o que coloquei em cima (à esquerda), e está de tal forma informativo que não me restam dúvidas sobre a localização do antigo templo dedicado ao Sol e à Lua, pelo que coloquei uma imagem do Google Earth da Praia das Maçãs (à direita), onde se vê o referido outeiro... felizmente está ainda incólume, alguém parece ter tido o cuidado de resistir à profanação do lugar, já que a sua localização era demasiado tentadora para um empreendimento hoteleiro ou turístico.

Para se compreender a importância do local, uso o Vocabulário Português de Raphael Bluteau (1720):
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Serra de Sintra. Segundo Dom Fr. Amador Arraiz, nos seus Diálogos, pág. 111 col. 2, chamou Varro à Serra de Sintra o Monte Trago, outros lhe chamaram o Monte Scynthia, ou mais propriamente Cinthia, isto é da Lua, donde sai o Cabo chamado da Lua (em Latim, Promontorium Lunae)  para o Oceano; nas raízes deste Cabo, na praia, esteve antigamente o Templo do Sol e da Lua, venerado com suma religião.
A inscrição do templo, que (segundo o dito autor) ainda hoje se vê, diz assim:
Soli aeterno & Lunae
Pro aeternitate Imperii,
Et salute Imp. Cai. Septimii Severi Augusti Pii & 
Imp. Caes. M. Aurelis Antonini, &c.
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Portanto, entre os imperadores que estiveram em culto na praia do Monte Trago ou Cynthia, contavam-se Sétimo Severo e Marco Aurélio.
As pedras estiveram lá e foram vistas por Francisco Holanda antes de 1571 e por Frei Amador Arrais antes de 1589. Não é claro se ainda eram visíveis ou não quando escreve Bluteau... e se resistiram ao período filipino, talvez não tenham resistido depois ao maremoto do Marquês. Hoje é suposto terem desaparecido sem rasto, ainda que seja mais ou menos óbvio que haverá quem saiba o que lhes aconteceu!

A proposta de Holanda era a de uma conversão forçada ao Cristianismo... a fonte de luz, o Sol, era Jesus Cristo, e a Lua passaria a ser Santa Maria. Não haveria uma destruição do espaço, mas sim uma adaptação conveniente. No entanto, o original tem algo a acrescentar...

Cynthia é um nome alternativo de Artemisa, ou Diana, a deusa da caça... associada à Lua.
Poderíamos ficar por aqui, estabelecendo a derivação do nome do monte... de Cynthia em Cintra.
Porém, a lenda é um pouco mais interessante e sem esforço presta-se a um ajustamento.

O nome alternativo resulta ele próprio de um monte... do monte Cyntho refúgio onde Leto, deusa-titã associada ao anoitecer, escapou de Hera e da Python para gerar os gémeos Apolo e Artemisa.
Se atendermos a que o anoitecer é o poente... o ocidente, e no monte de refúgio nascem o Sol (Apolo) e a Lua (Artemisa)... não vejo então outra possibilidade que não seja Sintra!
Compreende-se assim que Plínio fale no Cabo da Roca como linha divisória entre a terra, o mar e os céus.
Quanto à terra e mar, não havia grandes questões, mas os céus só faz sentido associando-lhe o nascimento dos principais astros... o Sol-Apolo e a Lua-Artemisa. Ambos os gémeos ficam do lado de Tróia...

Leto não é uma deusa fácil... os rudes camponeses da Lycia (ver crux com Lusia... lusitanos) talvez importunados por serem arrastados para um conflito dela com Hera, negam-lhe água e por isso são transformados em sapos...
Leto (ou Latona) e os camponeses da Lycia.

Não consta aplicar-se aqui a quebra do feitiço com um beijo principesco, e talvez a Roca de Sintra simbolize afinal um adormecimento do reino, que ficou à espera do beijo do Princípe Encantado. Acresce a isso o próprio nome Leto estar associado a Lethes... o esquecimento!

Independentemente disso, é bastante verosímel que Marco Aurélio, entre outros imperadores, tenha honrado o local onde a deusa do entardecer, Leto, teria feito nascer os seus filhos Sol e Lua... um santuário num pequeno outeiro da praia das Maçãs, e o fruto pode indicar implicitamente que antes desses imperadores, terá sido Hércules um seu visitante, em busca dos pomos de ouro!
Para não meter a mão na massa bolonhesa, seguimos a laranja e omitimos o tomate, em italiano pomodoro.

1 comentário:

  1. Dentro dos monumentos do concelho de Sintra é tristemente interessante seguir esta história de destruição recente:

    1) Destruição da Anta da Pedra dos Mouros / Pedra Alta (Junho 2010):
    http://despertar-belas.blogs.sapo.pt/9794.html

    (ver posição da freguesia de Belas sobre o assunto)

    2) Destruição do Monumento de Pego Longo (Março 2012)
    noticia na Radio Ocidente
    noticia na RTP

    Ambos estes monumentos faziam parte da estação arqueológica de Monte Abraão.

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