quinta-feira, 9 de maio de 2013

De Natura Deorum (2)

Uma das principais dificuldades é saber como escrever o que se sabe... Para não se ser mal entendido, há quem diga que é melhor não escrever nada do que fazer o outro incorrer numa apreciação errada.
Não é essa a minha opinião, sob pena de não escrever nada. Os mal entendidos podem sempre ser respondidos, e por isso o formato "blog" é bastante melhor do que livros, permitindo uma interacção directa na comunicação.

Quando no texto anterior referi a "impossibilidade de inteligência artificial", comentei 
"... ideia de infinito que por acaso nós temos"
... e abstive-me de adiantar mais o que ficava implícito. 
O que fica implícito? - Que nós não somos finitos, que temos uma natureza infinita.
Ora eu sei que isto, por mais lógico que seja, será difícil de engolir por todos os positivistas, materialistas, darwinistas, e companhias limitadas... explícitas ou disfarçadas.

É claro que há sempre a fácil escapatória, que é ignorar. Só que o problema das ideias é que elas não desaparecem por persistência da ignorância... e então surge o outro redil - baralhar tudo.
Há ideias, presentes desde a Antiguidade, que foram reclassificadas, complexificadas, a ponto de não se tornarem inteligíveis, ficando enredadas em confusões, misturadas convenientemente com outros assuntos.

Nesse sentido, torno as coisas ainda mais claras.
Temos consciência das nossas limitações. 
Porém, só pode saber que é limitado quem tem consciência disso. Automaticamente, por negação lógica, concebe-se a noção de ilimitado. Uma criança quando começa a saber os números, sabe que pode sempre somar um... apercebe-se de que nada impede a continuação, excepto a sua limitação de o prosseguir.
Esse talvez seja o primeiro confronto com a sua limitação, e ao mesmo tempo com a ideia de infinito... os números são infinitos. Não é nada que lhe seja transmitido pela natureza, é uma conclusão pessoal abstracta.

Os humanos criaram assim um desejo de superar as suas limitações, apenas porque concebem a ideia oposta. Não estão em paz com a sua natureza, porque sendo limitados concebem que poderiam não o ser. Essa ansiedade não se manifesta nos restantes animais... ou seja, as suas atitudes parecem conformar-se a simples requisitos da sua natureza, nomeadamente a alimentação e a reprodução. Mesmo algumas manifestações sociais dos animais parecem ter apenas como objectivo esses dois aspectos, seja em lutas territoriais ou hierarquização numa matilha.

A descoberta do DNA tornou claro que não é na genética que vamos encontrar nenhum aspecto infinito da natureza humana. Quando abordei a questão da junção dos 23 cromossomas humanos que produzem um ovo com 46 cromossomas, disse que do ponto de vista digital isso levaria a juntar duas Pens de 1Gb, para produzir um ovo de 2Gb! Nada de infinito há aí... aí só temos o aspecto finito, que nos dá a parte animal que se ajusta a esta realidade, tal como à dos restantes animais.
Conforme já disse no texto anterior, de uma estrutura finita apenas poderiam emergir noções finitas, em tempo finito. Para além da simples contradição matemática, que impede que uma noção infinita seja identificada a uma noção finita, há argumentos mais interessantes e simples.

Quando à criança é colocada perante a tarefa de contagem, ela tem consciência das suas capacidades e da tarefa em questão... as suas capacidades podemos dizer que estão no seu "eu", enquanto que a tarefa não está, é um desafio externo, cuja resposta desconhece, ficará no seu "não-eu". Automaticamente sobe um nível, porque também coloca o problema no conjunto "eu"+"não-eu", que é já maior do que o "eu" inspeccionado... passa a haver um "Eu" maiúsculo que olha para o "eu" minúsculo e para a tarefa. 
Conclui pela sua limitação... por verificar que o que é pedido transcende o "eu".
Há uma conclusão do "Eu" que remete para a limitação do "eu"... mas também deveria haver o contrário, ou seja, quem analisa é maior do que quem é analisado. Isso também remete para a noção de infinito.

Uma estrutura finita não pode fazer isto... não pode identificar-se a uma parte, e concluir pela sua limitação. Pode concluir a limitação da parte, mas não pode fazer a identificação.
Há assim vários argumentos que levam à mesma conclusão - a natureza dos humanos não é finita.

Mais que isso... é justamente a consciência da limitação que permite a concepção de infinito.
Agora, é claro, há quem insista em contar até milhões, biliões, triliões, em vez de olhar para si próprio, e concluir que é inútil esse processo de conhecimento. Para se convencer que está no caminho certo, pode persuadir ou obrigar os outros a fazer o mesmo... mas não se chega à verdade arrastando os outros para a mesma ilusão, e para os medos... afinal o maior pecador é aquele que mais invoca o perigo dos outros, por temer que sejam iguais a si.

3 comentários:

  1. "Uma das principais dificuldades é saber como escrever o que se sabe... Para não se ser mal entendido"
    Isso será, mesmo, o maior desafio de quem escreve porque, facilmente, se cai no erro de pensar que, tudo, o que se leu, se ouviu ou, até, através de experiência adquirida, por vezes, num tempo bastante longo, todas aquelas coisas que acabam por nos parecer óbvias (no fundo, novos pontos de partida para outras reflexões), mesmo, que se tente dar o desconto, exagerando na quantidade da informação fornecida para, os outros, poderem chegar à mesma conclusão, acabamos por verificar que a ideia não passou e, nem sequer foi entendida, pois haverá sempre essa lacuna do que não se pode explicar, nem preencher (seria como no meio de um assunto, despejar uma enciclopédia). Por muito que se queira, muitas vezes, acaba por ser como "mostrar os ingredientes de um bolo e o seu resultado final" e, depois, ouvir que o bolo não presta Lol
    Essa deve ser uma das razões, dos autores acabarem com um determinado número de leitores que gostam sempre das suas obras e outros, que não gostam ou que até as detestam porque, ninguém pode gostar de algo que não compreende. No mínimo, existirá, uma espécie de matriz invisível mas, comum a todos, que cria o entendimento, como uma ponte, entre quem escreve e quem lê mas, isso, já sou eu a filosofar lol
    Por vezes, deixo alguns comentários longos, uma espécie de desafio pessoal, só para ver se consigo explicar algo, no espaço disponível. Acontece que, nesses, para conseguir concluir, tenho de voltar atrás, cortar sem retirar o sentido. É mesmo muito difícil, tentar dizer ou escrever alguma coisa, onde não apareça quem nos responda com algo que, nos mostra, imediatamente que falhámos o objetivo. Falhar, neste caso, até pode ser um incentivo, outras vezes, nem vale a pena, a "lacuna" é do tamanho de um oceano ;)

    No entanto, não sei se um blogue será melhor do que os livros, depende muito, daquilo que se quer transmitir e, tem uma desvantagem e, essa, foi a razão de eu ter acabado com o meu porque, há coisas que já se explicaram, para se poder falar de novas, ora, como os que passam nos blogues só leem os últimos postes... estava sempre a repetir-me... um blogue parece um livro que começa sempre no último capítulo, acabando por nos reduzir as escolhas e, do que se quer escrever, mais apropriado para uma escrita de panfletos, para ler e deitar fora e, até mesmo um blogue de viagens, muitos, só acabarão por ler, o poste do dia da chegada será, talvez, por isso que, blogues com postes, onde se escreva muito, não são os mais visitados (fiz a experiência e notei a diferença). Estamos na época do Fast... fast food... fast.... tudo... até nas compras, há pessoas que compram tudo num click, muitas vezes, coisas que não lhes servem para nada.

    Penso que não será por acaso, isto de incentivar as pessoas a "acelerar", será mesmo, para as introduzir no novo mundo, da completa irracionalidade. Aqui ganham controle para poder manipular desejos e ideias, vê-se, à descarada, na publicidade mas, o maior problema estará na filtragem da informação (neste caso, também concordo com Chomsky) ;) ora, aqui, temos os que ficam a viver noutra realidade, inteiramente artificial e, o pior, perigosa. Se forem uma maioria, não haverá escapatória e, acabaremos como rebanhos obedientes. No entanto, essa maioria até pode acabar por ser feliz, lá diz o ditado: O que os olhos não veem, o coração não sente".
    O nosso infinito está a ficar, cada vez, mais finito, portanto, já nem querem ir " arrastando os outros para a mesma ilusão" é bem pior, basta uns chavões e as pessoas... obedecem ;)
    isa

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    1. Antes de mais, obrigado por ter deixado aqui o comentário, isa.

      Sobre o problema de comunicação, ela será sempre incompleta pela virtualidade da linguagem ser apenas uma aproximação para um certo entendimento parcial, e nunca para um simples entendimento completo.
      Se quiser descrever uma imagem, uma foto, poderia gastar milhares de palavras para o efeito, e mesmo assim seria sempre uma descrição incompleta, quando comparada com o simples enviar da imagem para o outro ver.

      Essa situação é análoga a ter duas pessoas a comunicarem, com todos os defeitos de entendimento da linguagem, e ter em contraposição uma teórica comunicação telepática. Ainda mais, a perfeita telepatia seria o caso de fusão entre duas mentes, e deixaria de haver diferença entre um indivíduo e o outro. Porque, a partir do momento em que a partilha é completa, ocorre o mesmo que temos no cérebro entre um hemisfério esquerdo e um hemisfério direito, que estão praticamente separados, mas não aparecem como duas entidades diferentes em concorrência pela personalidade.
      A partilha completa implicaria que os problemas e dúvidas alheias passariam a nossas e vice-versa.
      Se é comunicação que nos une, é a falta de comunicação que nos individualiza.
      Quanto mais tiver uma sociedade em harmonia com a mesma mensagem, menor será a sua individualidade. Em contraponto, a falta de entendimento sobre a mesma mensagem, sobre os mesmos factos, faz despertar e exacerbar a individualidade.

      Como na maioria das coisas, o ideal é um certo meio termo, e não é um meio termo estático... umas vezes é bom entrar em harmonia social, noutras é melhor recolher na individualidade.

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    2. Os dois blogs que mantenho (este e o Alvor-Silves, que é mais centrado em história) não foram feitos tanto para outros ler, mas mais para eu escrever deixando os outros ler.
      Porque é diferente escrever para si, sabendo que mais ninguém vai ler, por oposição em escrever sujeito ao escrutínio alheio. Temos mais cuidado, e essa partilha aberta tem vantagens surpreendentes, para a nossa reflexão própria. Porque o fecho interno é uma posição confortável, enquanto a exposição envolve um desafio mais complicado, se tomado seriamente. Além disso, quando me volto a ler, já não sou o mesmo que escreveu, e por isso beneficio de um autor que não estava apenas preocupado com o seu contexto pessoal, mesmo que esse autor coincida comigo, porque o contexto entretanto muda.
      Assim, as coisas ficam para aqui amontoadas, algumas das quais me lembro melhor que outras, e por vezes é mais fácil remeter para o que está escrito aqui do que escrever de novo... ainda que não me importe muito de voltar a escrever, porque tento fazer sempre o percurso de forma diferente, por algum carreiro diferente do caminho que segui antes.

      Também por isso, não me aborrece que haja essa tentativa do fast-food, porque não tenho nenhuma pretensão missionária, e apesar de ter descoberto muitas coisas, não me empenho em que os outros saibam, nem me deixo de empenhar. Simplesmente como o objectivo era pessoal, serviu-me a mim, e muito... Se serve aos outros, pois não é directamente meu problema. É apenas indirectamente, porque acredito no conhecimento per se, e não em quem o transmite. Assim, ao contrário de outros que julgam que perdem o seu tesouro, partilhando o que sabem, eu acredito no oposto - perderei mais se os outros não souberem o que sei. Porque não me incomoda muito que saibam mais que eu, incomoda-me mais quem souber menos.
      Porque quem sabe melhor, tomará melhores decisões que eu. Agora, como é claro, em particular implica que saiba pelo menos isso, e tenha a mesma atitude perante o conhecimento.

      É habitual as pessoas julgarem que são donas das ideias que têm, mas é muito mais ao contrário... acabam por ser escravas dessas ideias, vivem em funções delas, e por vezes morrem por elas, por simples ideias herdadas, impregnadas, e sem mais critério do que aumentar o número de adeptos dessa ideia.

      Nesse mundo de competição de ideias, que se formou ainda mesmo antes delas aparecerem, cada ser vivo é apenas um teste para a validade dessa ideia. A ideia do maior ser melhor, foi testada até cair o último dinossauro. A ideia do maior número ser melhor, é ainda testada na quantidade infindável de bactérias. Cada ideia era codificada num ADN, impregnada num ser, que se destinava apenas ao teste da ideia e propagação da mesma.
      Estas ideias nunca existiram até que surgiu o primeiro ser capaz de as entender enquanto tal, enquanto manifestações abstractas - e esse ser é o homem. A partir desse momento o campo de combate de ideias ganhou um hospedeiro, e as ideias invadiram-nos, fazendo-nos crer que éramos os proprietários delas, quando são as ideias que não morrem, que são eternas. Tal como o ADN arranjaram forma de se transmitir, e essa forma foi a linguagem. A reprodução de ideias passou a ser o simples cativar de mais elementos para a mesma ideia.
      Antigamente as religiões personificavam ideias, vemos isso na atribuição de deuses para a guerra, para o amor, para a justiça, etc.

      Por isso, quando os homens julgam que estão a manipular ideias, é bem mais natural que estejam apenas a ser manipulados por elas, para uma guerra bem mais complicada.
      A guerra é uma guerra entre universos - entre universos onde umas ideias se impuseram, e o nosso onde só uma se poderá impor. E para evitar a sua morte anunciada, é lançado o caos "onde todas as opiniões são válidas", preferindo que pereça o transportador do que a ideia que carrega.

      Abraços.

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