quinta-feira, 12 de dezembro de 2013

Hélgia (6)

- As associações podem ser interpretadas de múltiplas formas. Afinal o que dá mais consistência a umas coisas que a outras? Associações básicas, como o número, são como rocha. Cria-se uma estrutura perene onde assentam outras estruturas... por exemplo, as relações entre os números, por exemplo, simbolizadas pelas operações aritméticas, como soma, multiplicação, etc.
- Sim, há uma grande diferença entre um simples ver, um estabelecer de relação básica entre o observador e o observado. Sem um nexo consistente, as ideias são líquidas, não precisam de obedecer a nenhuma estrutura ou nexo sólido. Um observador estruturado encara as palavras com uma determinada ordem entre as letras... não é a mesma coisa escrever "neo", "noe", "eno", "one", apesar de serem apenas 3 letras. No entanto para um observador mais "líquido", a ordem interessa menos. Há ali 3 letras, e podem aparecer da forma que se quiser, que tudo parece a mesma coisa. É com uma troca de letras que se fazem muitos códigos entre crianças.
- No mundo de crianças há muitas ideias formadas, que são meras observações, mas que por simples relações lógicas, induzem em contraponto a um ideal positivo, um outro ideal negativo. Quando tudo é permitido podemos moldar barro da forma que quisermos, mas isso induz imediatamente a ideia do que resta...
- Exacto, e é esse problema, que se acumula com o tempo... os restos!
- Ao formarmos uma ideia estruturada, ela começa a ganhar a consistência de uma espinha, de coluna solidificada, a que se agregam as diversas ideias "líquidas" que polvilham o nosso imaginário. Se essas ideias são comuns a diferentes observadores, então estabelece-se uma ponte, um acordo entre esses observadores, que lhe dá consistência de "terra comum".
- No entanto, há uma parte criativa que produz ideias pessoais, que não têm assento nessa "terra comum", nesse acordo... onde ficam então essas ideias? Num "céu de ideias"... eh eh?
- Bom, essas estruturas mentais não deixaram de existir, nem deixaram de estar presentes nas mentes, ainda que temporariamente, talvez guardadas nalguma memória... em fantasias comuns de histórias relatadas numa comunidade em tempos remotos. Simplesmente, a realidade aparece como aquilo que não podemos deixar de ver, enquanto que os sonhos são aquilo que vemos numa interpretação dos nossos pensamentos.
- Uma criança pode fazer um boneco, um amigo imaginário, um reflexo de si mesma... desenvolvendo estruturas semelhantes de pensamento, mas que não interagem no mesmo universo. Quando as comunidades são similares, até mesmo os amigos imaginários podem ter analogias entre as diversas crianças. Porém, enquanto os adultos são confrontados com a interacção directa com a realidade, os outros processos aparecem como velhos sonhos de criança, que ganharam caminho próprio, e só incomodam o desenrolar livre dos sonhos quando a realidade se intromete no caminho. 
- A realidade é o acordo mínimo entre os diversos sonhos dos indivíduos, e em último caso pode remeter-se à lógica mais básica. O indivíduo objectivo recusa essa dupla personalidade, que lhe apresenta um sonho sem nexo. O resto, a realidade, alicerçou-se em ideias estruturadas, onde tudo tem uma razão, um caminho, que foi o que ficou depois de todos os sonhos impossíveis.
- De alguma forma, foi como uma espinha matemática, reflectida em nexos físicos consistentes, que ganharam espaço de realidade, depois de esgotada toda a matéria ilusória dos sonhos. Terminados os medos dos sonhos, pela sua falta de substância de realidades, falta-lhes espaço de impor a sua existência, excepto como uma parte integrante da mesma realidade. E é claro que a falta de nexo lógico, de estrutura razoável subjacente aos sonhos individuais, só os torna admissíveis num espaço de realidade comum com uma fragilidade própria da inconsistência ocasional.
- Num mundo idealizado por sonhos caóticos, tudo é vago, pouco perene, e fica implícita uma divisão para o que não interessa... há um mundo mitológico, algo infantil, por um lado, e uma estrutura que se solidificou, que sobreviveu pela lógica da existência do resto.
- Tal como os números primos são o resto das construções básicas da aritmética?
- Exacto, uma coisa é pensar que todos os números estão pelo menos agrupados com 2 elementos numa multiplicação, outra coisa é deixá-los de lado... no entanto, eles não desaparecem. 
- Sim, não são multiplicação reprodutiva de dois anteriores, existem como resto desse processo... mas têm direito a essa existência, por exclusão lógica do processo multiplicativo. Não são vistos como ordem, são desconsiderados até que seja inevitável a sua emergência... e o necessário estudo, por força da sua existência como realidade que se impõe.
- Depois, como é óbvio há sempre várias camadas entrelaçadas, no reflexo sobre si mesmo. Qualquer ideia gerada, é vista num nível acima como ideia do olho, em vez de ser ideia do cérebro. Por sua vez, em camada ainda superior, isso é entendido, de novo colocado para visão, num processo que não tem fim... e que é de alguma maneira bem retratado na mitologia nórdica pela figura de Loki.
- Porém uma coisa completamente diferente é o processo algo maquinal de apresentar ideias de forma fotográfica... algo típico da função de memorização, que é de certa forma independente da função de compreensão, destinada a estabelecer uma árvore de ideias com raízes sólidas.
- Sim, há uma clara distinção entre um simples saber, que pode ser visto como folhas, mas que não é árvore sem os ramos que a estruturam.
- A relação entre as ideias são o tronco, que é visível, gerando novas folhas, num outro nível, e a comunicação que se estabeleceu numa realidade entre os diversos outros, mas que fazem parte da mesma estrutura acaba por estar algo bloqueada, por diversos processos comunicacionais, entre os quais pela memória. No entanto essas ideias mais leves, de que se fazem os sonhos, sobem e podem ser partilhadas por conexões no mesmo imaginário, levando a eventuais alucinações se não houver recusa da sua plausibilidade pela comunidade "acordada".
- A estrutura lógica, matemática, acaba por ser a última rocha, o tronco onde assenta a estrutura.
- Não só matemática, mas também filosófica, que entronca na noção de existência ter observadores que recusam a anulação... em última análise, ainda que se forçasse um colapso da memória, seria apenas uma desestruturação, um cair de folhas, mas o tronco da estrutura estaria pronto para o inverno, pronto a renascer com novas folhas, com base na matemática já desenvolvida.
- A lógica acaba assim por ser o último reduto da existência?
- Sim, e também da não existência... por complementaridade.
- Mas isso não é algo contraditório?
- Não, a realidade é a fronteira que determina o contacto entre os dois universos.
- A realidade avança na direcção do imaginário, com base nas realidades passadas. Se ignorarmos as realidades passadas, a memória, então poderíamos entrar num caos, e perder a base da estrutura que nos definiu.
- Mas não perderíamos a estrutura... porque existiu sem contradição.
- Sim, mas pelo outro lado, onde a contradição é possível, não há propriamente restrições... e o vento de ideias acaba por permitir a imaginação, que pode encontrar novo espaço para se solidificar como novas raízes, desde que se estabeleçam as relações para isso.
- Bom, e sejam consistentes... ou senão serão "arte".
- O processo matemático assemelha-se a uma máquina, e pode usar-se essa figuração, levando a crer que há alguma "máquina com controlo a governar", a ponto do visualizar de novas estruturas, uma alteração do inicial, remeter para uma ideia de tempo pela modificação inerente e inevitável. Um simples "passeio" pelas alterações da estrutura remete a essa ilusão, tal como podemos ver um mundo 3D como tendo camadas de observação 2D sobrepostas
- Aliás, as nossas letras acabam por ter curiosamente uma estrutura que pode revelar observações superiores, com significados desse tipo:
- Revela-se uma cisão que não é equivalente, partindo de O inicial.
Por um lado há uma parte que se fecha num D, e uma estrutura que fica aberta num C, que receberá tudo o que fica de fora. Equivalentemente podemos ver uma estrutura superior, um céu sobre uma terra plana, que tende a ficar piramidal no A, mais uma vez deixando um universo U de fora. Numa fase seguinte, temos a perspectiva de junção de D que leva a um B, ou alternativamente os dois C levam a um E, enquanto estrutura aberta, e por simetria a um 3, que podem unir num 8. Ortogonalmente, temos uma sobreposição W e M que corresponde ao símbolo típico de infinito (ou da banda de möbius).
- Não se vê nada de AAA nem de BBB... talvez os correctores financeiros se refiram mais à música dos ABBA, ou devessem rever as notações mais para 888, havendo a hipótese WWW com XXX... eh eh! Então e a seguir?
- A seguir podemos ver como estas coisas se unem entrelaçadas, como no DNA, ou ainda nos cromossomas. O Y é tipicamente masculino e representa uma bifurcação, unida por um passado comum, ou alternativamente haverá um X (ou H) de corte de Cronos, mas que têm que pelo menos unir-se num ponto comum. Caso contrário seriam disjuntos como dois II que nunca influenciariam um e o outro. Esta união também poderia ser vista como um duplo S, um SS, ou S2, no sentido de formar um 8, ao estilo fecho Zip... seria um ZZ visto como Z5, dois caminhos seguindo entrelaçados em atacadores.
- Vocês só podem estar a gozar falando disso!...
- Claro que sim. Mas as relações não deixam de estar lá, se as quisermos ver... e há sempre quem atribua importância a estas coisas, talvez por receberem informações privilegiadas!
- Mas qual é a ideia afinal?
- A ideia é que o universo se constrói em cima de si próprio, e inevitavelmente houve um passado que  influenciará o futuro, mas também o nosso futuro determina a capacidade de investigar e recuperar esse passado. Mas tudo isto é muito mais de simples folclore individual, porque ao existir cada um condiciona-se a si próprio e aos outros.
- Bom, tudo isso me parece embrulhado num ovo caótico serpenteante.
- Mas não somos feitos da consolidação de um caldo cultural caótico?

Panjabi MC - Mundian To Bach Ke

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