terça-feira, 1 de abril de 2014

Natural Mente

Uma das questões que suscita mais dúvidas de interpretação, para além dos lances de penalty no futebol, é averiguar se uma dada forma tem origem natural ou não.

Há múltiplos exemplos, e considero aqui um que foi trazido à discussão por via do Paulo Cruz:
Waffle Rock (Virginia, EUA)

... e coloco em comparação com dois outros casos conhecidos:
Calçada dos Gigantes (Irlanda, UK)

O que nos permite distinguir uma estrutura natural doutra?
- Primeiro é preciso entender o que significa "natural"...
O favo hexagonal na colmeia é construído por uma abelha, no caso da Calçada dos Gigantes deve-se à formação cristalina da rocha basáltica como é o caso de formação semelhante, na ilha do Porto Santo.

O link desta figura aponta para uma lista de formações de basalto semelhantes que se podem encontrar espalhadas pelo mundo, sendo a Torre do Diabo no Wyoming um exemplo clássico. Nem de propósito, o mesmo link da wikipedia começa por dizer que a estrutura de Nan Madol usou este tipo de blocos basálticos.

Portanto, a estrutura hexagonal, ou outras formas geométricas, podem aparecer em contextos diferentes. Ou ligadas à actuação sistemática de um animal, ou ligadas à geologia pela estrutura química cristalina. Pode ainda haver outros casos em que se trata de intervenção humana, visando a produção de uma qualquer estrutura artificial.
Ou seja, algumas vezes é comum serem os humanos a adoptar as soluções e formas que vêm na natureza, ficando difícil à distância perceber a sua intervenção.

Agora, não tenhamos dúvida de uma coisa... se não somos artificiais, nada do que fazemos pode ser considerado "artificial". O computador portátil é tão natural quanto o favo hexagonal da abelha. 
Onde está a diferença?
A diferença está no grau de complexidade.
Até que se perceba uma complexidade para além dos mecanismos "naturais" conhecidos, não há certeza sobre intervenção humana.
Um exemplo claro já foi aqui dado com o Alfaborboleto... as borboletas não andaram a pintar números e letras nas asas, nem foi nenhum produto humano. A complexidade na natureza é suficientemente grande para nos espantar de sobremaneira.

Não é apenas na natureza do ponto de vista biológico, é até do simples ponto de vista matemático.
Os fractais aparecem na natureza, mas podem ser vistos como mera programação computacional, e podem revelar algumas surpresas:

Aquilo que vemos nestas duas imagens não é resultado de nenhum embelezamento propositado, excepto na escolha de cores e tons. É consequência de programação muito simples, com duas ou três linhas de código... A operação em cada pixel é repetida até satisfazer um critério, e consoante o tempo que demora coloca-se uma cor. As operações e critérios são simples, mas o resultado final está longe de o ser, o que surpreende bastante.

Eventualmente algumas das figuras obtidas podem parecer-se bastante com estruturas biológicas, ou físicas, e isso não é anormal. O processo biológico tem um aspecto de fractalidade, ou seja há repetições dos mesmos processos em escalas cada vez mais pequenas.
De entre as múltiplas referências existentes na internet, coloco um link sobre os fractais na natureza, e um vídeo sobre o notável fractal de Mandelbrot:

No caso do fractal de Mandelbrot o zoom já conseguido é largamente maior do que seria o zoom do universo estimado até um qualquer electrão, e isto feito várias vezes.  O surpreendente é que apesar de haver semelhanças, há sempre imensas diferenças. Há todo um universo por explorar num simples exemplo aritmético, e as imagens desafiam o melhor da NASA... o resto é apenas crença - com uma enorme diferença - aqui sabemos que não estamos a ser enganados (... isentando o computador)!

Com tanto zoom, será possível vermo-nos a nós mesmos do outro lado?
Isso é uma velha questão, desde que o modelo atómico foi inicialmente parecido ao modelo do sistema solar... passou-se a pensar que os átomos poderiam ser como estrelas com planetas a orbitar.
Ao nível atómico, e mesmo de quarks, já se sabe que não é assim que se passa... porém, avançando no zoom, talvez nos possamos ver... isto porque a mais pequena partícula não é mais do que um universo passado e fechado para contas.

Concluindo... a complexidade que temos é natural, e por muito artificial que pensemos ser o que produzimos, não deixam de ser produções naturais, como é o favo da abelha. Mesmo na perspectiva meramente e simplesmente científica, a complexidade que nos caracteriza é natural, resulta de complexidade biológica, que por sua vez resulta de complexidade nos processos físicos.
Ao contrário do que julgamos, não somos os únicos capazes de fazer uma estrutura tipo waffle, ou seja bolacha americana. A mesma natureza que nos formou é capaz disso e de muito mais.
Pior, não deve ser de surpreender que existam réplicas de invenções nossas na natureza... a natureza pode começar por enviar umas borboletas com umas letrinhas nas asas, mas pode não ficar por aí! Não me chocaria que o mesmo "acaso" que nos gerou, também pudesse gerar as mesmas obras sem nós...
Acaso seria impossível por um processo natural produzir um transístor? Claro que não! Afinal, são tudo processos naturais... por que razão haveria a natureza de precisar que saísse de neurónios?

Onde estão afinal os neurónios que produziram os neurónios? Pois é... acasos desses se caem para o nosso lado, poderiam cair para um lado qualquer. As estruturas biológicas são muito mais complexas que as nossas melhores máquinas e não vemos ninguém a dar patente à mãe natureza (... pelo contrário, o que é habitual é copiar as ideias).
Agora, há obviamente uma lógica nisto, e se nada obsta a que natureza produza computadores (alguns processos neuronais têm funcionamento similar), não vão aparecer como frutos das árvores... poderia acontecer noutro universo, de magia, mas não acontece neste. Aqui o caos tem liberdade, mas tem uma trela presa à ordem lógica. Ou seja, pode fazer waffles de pedra, mas não vai fazê-los por magia saindo do balcão da cozinha e prontos a comer.

Nota Adicional (02/04/2014):
Um outro documentário, já antigo, com os já falecidos Mandelbrot e Arthur C. Clarke, é talvez mesmo o suficiente para entender a importância dada ao assunto:

As observações de Arthur C. Clarke são singulares... na fronteira entre o que tendia para zero e o que tendia para infinito, nessa ténue linha que define o conjunto de Mandelbrot (a fronteira do negro que é sempre unida por linhas - ainda que não sejam visíveis - as cores revelam o que tende para infinito), colocou uma metáfora de equilíbrio universal... ou seja, o que estava fora dessa linha não existiria, por anulação ou explosão. 
Quando realizou com Kubrick o 2001, Odisseia no Espaço, parece ter antevisto na cena "Jupiter and Beyond the Infinite" as imagens que hoje vemos nas simulações com sucessivos zooms, e que certamente teria escolhido, caso existissem à época.

2 comentários:

  1. A Ordem Cósmica?!

    Abraços

    Maria da Fonte

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    Respostas
    1. "Ordem cósmica" parece-me uma excelente designação.
      Só é preciso notar é que o cosmos aqui está acima da noção de cosmos - que passou para conceitos astronómicos menores, ao estilo Carl Sagan.
      O assunto é mais profundo, e por muito que se remetam as coisas para o grande, o infinitamente pequeno toca o infinitamente grande na complexidade...

      No fundo é a mesma coisa do que na aritmética....
      Se mil 1000 é grande, a simples inversão 0.001 = 1/1000 torna-o pequeno.
      São a mesma coisa em escalas diferentes...

      O paradigma, neste caso, e que ficou bem evidente na descoberta de Mandelbrot, é que não é preciso apontar telescópios para galáxias distantes para encontrar estruturas inimagináveis, e que desafiam o senso comum.

      As galáxias dos telescópios podem desaparecer, na perspectiva astrofísica...
      No entanto, as belas estruturas que encontra no conjunto de Mandelbrot, nunca vão deixar de ser o que sempre foram. Simplesmente não tínhamos ainda olhos (computadores) para as ver, ou sequer as imaginar.

      Há uma espinha matemática:
      http://odemaia.blogspot.pt/2013/12/helgia-6.html

      ... essa nunca desaparece, tal como 2+2=4.
      Já o resto, o que sobra da espinha matemática... é gordura.

      Só que há um detalhe importante, e em que tenho insistido. A matemática não existiria sem inteligência. Por isso, o eterno universal chegou no momento em que foi parida a inteligência, e a partir daí não pode viver sem ela. As rochas não pensam em números...
      Portanto, se o conceito é eterno, tem que haver eternidade da inteligência para o conceber. Por isso, nunca vai deixar de existir inteligência, seja sob que forma for.

      Abraços.

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