sexta-feira, 31 de maio de 2013

S. Francisco Xavier e a Austrália

Já há bastante tempo reparei numa gravura alusiva a São Francisco Xavier (1506-1552), que está disponível no site da Biblioteca Nacional de Portugal, com a seguinte menção:
  • Estampa alegórica à viagem de S. Francisco Xavier à Ásia Oriental, Japão e Índia
  • gravura : água-forte e buril, p&b.      [16--] Data baseada em características formais
Aparece ainda catalogada no ano de 1575, e seria uma data natural, pelo desenho do mapa, razoavelmente grosseiro na representação do Japão, mas se olharmos para a gravura percebemos qual o problema:

Estampa de S. Francisco Xavier com a Austrália (ver original BNP)

O problema, está claro, é o muito bom desenho da Austrália.
De resto, à excepção australiana, o mapa do hemisfério português seria semelhante em vários aspectos, ou até pior, que o Theatrum Mundi de Lavanha (1597-1612)

Não é claro que a Estampa de S. Francisco Xavier seja anterior ao mapa de Lavanha - não há nenhuma indicação objectiva nesse sentido. Poderia ser de 1575, época de D. Sebastião, escapando aos olhares censores?
De qualquer forma, a estampa parece ser, inequivocamente, pelo menos do Séc. XVII, pelo que a atribuição feita na BNP ao colocar [16--] parece prudentemente correcta. 
Mesmo assim, tem uma excelente representação da Austrália, numa altura em que só aos Holandeses estava permitida essa exploração, e é claro muito antes da chegada de Cook, em 1770.

Na BNP há ainda uma outra gravura, posterior, que ilustra também S. Francisco Xavier. Só o nome do gravador - Pietro da Cortona (1597-1669), não está rasgado, o que implica uma datação estimada 1625-1665, pelo período de actividade. A outra gravura parece-nos bastante anterior a esta.

Inicialmente a evangelização do Japão teve um sucesso muito impressionante, especialmente na zona de Nagasaki, a que se seguiu uma forte perseguição, entre 1597-1637.
Encontrei num livro (c. 1800), uma compilação de ilustrações, algumas das quais mostram execuções aplicadas aos missionários jesuítas (à direita são as dos padres Benedito Fernandes, João da Costa, António de Sousa e Sebastião Vieira), em Nagasaki, em 1633-34:

A comunidade católica do Japão, que contaria já com centenas de milhares de aderentes, viu-se subitamente reprimida com uma violência brutal. Os "cristãos escondidos", Kakure Kirishitan, permaneceram dois séculos completamente na obscuridade, vivendo sobre ameaça e perseguição letal do xogunato (ver livro Silêncio de S.Endo). 
Onde se concentravam esses cristãos? 
- Especialmente, em Nagasaki, no bairro Urakami. 
Com a reabertura japonesa, houve tolerância religiosa, tendo sido construída a Catedral de Urakami, local que foi o "ground zero" da explosão da bomba atómica.
A bomba atómica de Nagasaki caiu a 500 metros da catedral de Urakami.

Pontaria simbólica?
Quando olhamos o percurso dos jesuítas, percebemos a sua missão de evangelização e vemos resultados. Percorreram o mundo tentando converter as populações. Podiam ser usados pelas potências católicas, mas parece-nos que a sua abordagem individual foi essencialmente pacífica, focando em convencer e não em vencer. 
Só que com a Guerra dos Trinta Anos (1618-48) o mundo católico entrou em guerra com o mundo protestante (ou melhor, com a implementação judaico-maçónica de um cristianismo alternativo). Os Holandeses eram uma seta apontada aos destinos portugueses na Ásia, fossem eles o Japão ou a Austrália.
O protestantismo nunca conseguiu, nem tentou, nenhuma evangelização sem ser pela efectiva colonização, se venciam, não convenciam. Os holandeses estavam numa guerra comercial e política, onde a fé era outra, e manifestava-se pelo aspecto comercial. Assim, denunciavam os jesuítas aos japoneses, procurando incutir que apenas o lado católico lhes seria maléfico.
Quando a bomba atómica cai em Urakami, não é uma queda qualquer.
Foi atingida a comunidade católica que tinha resistido submersa a um sofrimento de vários séculos.
Por isso, quando alguns falam em símbolos de holocausto da 2ª Guerra Mundial... é preciso ver quem fala e do que fala, e por vezes é melhor calar, porque se houve inocentes nesta história foram as vítimas. 
Vítimas de obstinações filosóficas/religiosas que duram há milénios.

Nota posterior: (09/07/2018)______________
Quanto a esta representação australiana, a ilustração faz capa interna de uma obra aparecida em 1710, de Francisco Sousa:

  • SOUSA, Francisco de, S.J. 1649-1712, Oriente conquistado a Jesu Christo pelos Padres da Companhia de Jesus da Provincia de Goa... / Ordenada pelo P. Francisco de Sousa Religioso da mesma Companhia de Jesus. - Lisboa : na Officina de Valentim da Costa Deslandes, Impressor de Sua Magestade, 1710

Isto não impediria que a figura não existisse antes, e fosse aqui reutilizada. De qualquer forma isso não me parece provável. A ilustração será c. 1710, e portanto tem a particularidade notável de fazer constar a parte correcta da Austrália, mas pouco mais que isso.

3 comentários:

  1. Olá,

    Parabéns, original descoberta a sua desta tão bem desenha “Austrália de S. Francisco Xavier” !
    Sempre tive a convicção de uma tentativa de apagar da história universal a presença dos portugueses no Japão, até quando se fala nos bombardeamentos atómicos pelos USA no Japão é geralmente e somente citada a cidade de Hiroshima, mas na de Nagasaki continuam actualmente a festejar a chegada dos portugueses com uma festa onde fazem uma réplica duma caravela... os idiotas da RTP quando mostraram o bolo Castela que os japoneses fazem metodicamente e exportam o original Kasutera, igual ao português, muito diferente dos actuais rectangulares coloridos http://pt.wikipedia.org/wiki/Kasutera atribuem estes sacanas da RTP a sua provável origem numa receita castelhana, sem verem que o segredo deste extraordinário pão-de-ló japonês são as nossas claras batidas em castelo! Farto destes portugueses que cospem no seu passado e não o querem ser! Desejoso que a RTP seja extinta ou privatizada.

    Boas leituras, cumprimentos, José Manuel CH-GE

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    1. Obrigado, José Manuel.
      Pois, talvez nos devemos também de interrogar sobre o significado do local Hiroshima.
      Não tenho grandes dúvidas que o Japão marcou muito o passo do problema global, desde o início, desde a presença dos Ainos, que se ligam à ancestralidade humana.

      Sobre a RTP, tal como as televisões públicas, estão muito condicionadas pelo controlo do poder governamental, mas mesmo assim creio serem menos condicionadas que as televisões privadas, cujo poder vai directamente ao financiamento económico.
      Aquela reportagem da RTP-Açores sobre os megalitos açorianos, ou as da RTP-Internacional sobre o Dr. Manuel Luciano, são algumas excepções que por vezes lá passam... mas é verdade que são casos raros. Compreendo que tenha sentido directamente essas restrições.

      Um abraço. Cumprimentos.

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  2. Quanto a esta representação australiana, a ilustração faz capa interna de uma obra aparecida em 1710, de Francisco Sousa:


    SOUSA, Francisco de, S.J. 1649-1712,
    Oriente conquistado a Jesu Christo pelos Padres da Companhia de Jesus da Provincia de Goa... / Ordenada pelo P. Francisco de Sousa Religioso da mesma Companhia de Jesus. - Lisboa : na Officina de Valentim da Costa Deslandes, Impressor de Sua Magestade, 1710


    http://purl.pt/26214/3/res-307-a/res-307-a_item3/index.html#/6

    Isto não impediria que a figura não existisse antes, e fosse aqui reutilizada.
    De qualquer forma isso não me parece provável.
    A ilustração será c. 1710, e portanto tem a particularidade notável de fazer constar a parte correcta da Austrália, mas pouco mais que isso.

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