sábado, 28 de dezembro de 2013

Patas

Pelo meio da evolução, interessa perceber o que pode ter levado a umas soluções e não a outras.
Por estranho que possa parecer, há evidência biológica para respostas geométricas. Um caso típico é a divisão que levou aos Tetrapodes, ou seja, 4 patas, que junta todos os vertebrados terrestres e aves (incluem-se aí as asas, que saem de patas).
Os insectos, aranhas, escorpiões e crustáceos, com múltiplas patas, caem noutra parte do reino animal - os Artrópodes - a solução com número maior de patas trouxe uma curiosidade - nenhuns são vertebrados.

Talvez mais engraçada é uma grande divisão animal que separa os "Protostomas" dos "Deuterostomas"... já que há uma escolha embrionária primitiva, relativamente ao tubo digestivo:
Protostomas - Abrir primeiro a boca (artrópodes, moluscos);
Deuterostomas - Abrir primeiro o ânus (vertebrados, estrelas do mar).

O ovo fecundado começa a subdividir-se, e de alguma forma replicando a geração universal, a sucessão 1, 2, 4, 8... duplicará células aparentemente semelhantes, mas que irão ter funções muito diferentes.
Uma primeira fase do processo consiste na definição da "parede" que separa o interior do exterior... essa "parede" é a pele, representada na blástula do embrião.
No caso dos animais, devido à necessidade de alimentação, define-se logo o tubo digestivo, pela gástrula, que unirá "furos" na blástula... por um lado a boca, por outro lado o ânus.
Onde abre primeiro? - uma grande separação entre os animais é feita nesta opção. Em todos os vertebrados, o tubo digestivo abre primeiro pelo ânus... algo que é bastante diferente dos insectos, moluscos, etc... onde o tubo digestivo abre primeiro pela boca.

Esta divisão inicial centrada no tubo digestivo, mostra bem a importância vital da alimentação na constituição dos organismos primitivos. A alimentação revelará a essência atómica da vida. Comer podia ser um processo mecânico, mas vai ao fundamento químico atómico. Ou seja, a ingestão de outros organismos poderia simplesmente consistir num aproveitamento das suas células, para benefício do organismo que ingere. Qual a necessidade de destruir por completo as células da presa, se grande parte desse processo remete à construção de novas células no predador? Em certas tribos havia até a ideia de ligar a ingestão de órgãos para benefício dos mesmos órgãos... porém, como sabemos, o processo é bem mais radical e os nutrientes aproveitados estão ao nível molecular básico, até atómico. Ao predador interessam as moléculas, os átomos, ou a energia, e estruturas mais complexas da presa são completamente destruídas no fluxo pelo tubo digestivo.
Se o processo parece brutal pela redução da presa a simples nutrientes, não deixa de ser revelador de que a vida animal é independente da destruição doutras formas de vida, apenas recolhe os nutrientes dessa forma.
Uns seres vivos tornaram-se em autênticas fábricas de nutrientes para outros, sendo o caso mais paradigmático o das plantas. Mas este tipo de estrutura é suficientemente abstracta, e espelha-se até socialmente. Uma grande população serve como fábrica de nutrientes para uma elite predadora. É claro que a classificação predador e presa no processo humano remete a conceitos muito mais sofisticados do que a simples sobrevivência, ou a mera competição num determinado objectivo.

Voltando à questão embrionária.
Definido um corpo central, percebemos que há basicamente duas possibilidades - a radial e a não radial.
A opção radial não privilegia nenhuma direcção. 
Assumindo uma direcção preferencial, começaram a definir-se os corpos bilaterais, que seguiam a direcção do tubo digestivo - da boca à cauda. Portanto, foi a questão do tubo digestivo, a questão da comida que definiu essa orientação preferencial, e vemos que nos vertebrados a coluna segue exactamente essa direcção, que é também a direcção de locomoção.
Uma ameba pode ser vista como um corpo radial, onde nem sequer estão definidos membros... o número de extremidades é flexível e variável. O movimento do corpo amorfo é possível em todas as direcções, mas isso implica uma grande complexidade a programar a estrutura... só para controlar o movimento!
Assim, a complexidade do DNA nas amebas pode estar ligada justamente a uma complexidade estrutural que permite definir movimentos e formas arbitrárias. Isso deixa de acontecer quando a estrutura fica rígida, e ao indivíduo são permitidas poucas hipóteses de movimento. Por exemplo, os vertebrados tetrapodes ficaram reduzidos a deslocamentos fixos, com apenas quatro "patas".

Portanto, solução simples na codificação do movimento no DNA seria definir um número fixo de direcções. 
A solução pôde ser radial, mas com um número limitado de raios, de patas, que saem do corpo central, no caso dos artrópodes. 
No caso dos moluscos, as extremidades servem apenas a locomoção, e são o mais próximo do radial, tudo o resto fica preso ao corpo central (p.ex. tubo digestivo e olhos - que no caso de bivalves distribuem-se pela várias direcções). Dentro dos artrópodes, as aranhas têm uma solução parecida. Já os insectos desenvolveram uma solução diferente onde, das oito ramificações saídas do corpo central, uma das extremidades definiu a cabeça para onde migram os olhos e cérebro, e a outra extremidade tomou funções digestivas e reprodutivas, ficando as restantes 6 para as patas. Mais do que as aranhas que têm até 8 olhos, os insectos adquiriram uma direcção preferencial, com dois olhos, e estabeleceu-se uma bilateralidade não vertebrada. 

Os vertebrados começaram por definir o tubo digestivo como direcção, como no caso dos peixes, onde o número de membros não estaria completamente definido, e de soluções com múltiplas barbatanas, chegámos aos peixes pulmonados, tetrapodes, de onde se pensa terem surgido os vertebrados terrestres.
Esses vertebrados terrestres definiram 6 componentes onde, para além das quatro patas, uma das componentes definiria uma "pouco útil" cauda, e uma essencial cabeça.
Hominídeos e humanos dispensaram o prolongamento na cauda, o cócix limita o "six", reduzindo a 5 as componentes que também são replicadas nos dígitos (5 dedos). Ainda assim, do ponto de vista geométrico, o "macaco que perde a cauda" é um passo menos surpreendente do que o das cobras... que dispensaram as 4 patas, aparecendo como uma variante de tetrapode com uma única direcção preferencial, enquanto as aves evoluíram duas das suas patas em asas. 
O caso das aves é especialmente paradigmático porque apesar da significativa redução de direcções, a sofisticação do controlo das asas permite complexos movimentos de voo. Seria já a nível de um cérebro evoluído que se processaria o controlo de movimentos, não passando pela codificação directa no DNA. Por muito rápido e inerente que seja o processo, pode fazer sentido dizer que as aves aprendem a voar, e que alguns mamíferos aprendem a andar... algo que não se verifica com répteis.

Este ponto final é especialmente importante... a reprodução diversificada pela combinação de genes atingiria um certo limite crítico ao remeter codificações ao cérebro. A sofisticação do cérebro avançaria mais rapidamente do que a codificação genética. O contexto na formação do cérebro do indivíduo iria ultrapassar a vantagem da codificação genética incorporada pelo parentesco biológico.
Chegados esse ponto, a menos de transformação genética "mágica", o cérebro de indivíduos semelhantes passa a ser muito mais funcional pelo contexto educacional do que por resultado do património genético. As variações genéticas só a curso de inúmeras gerações poderiam ser eficazes, enquanto um cérebro flexível rapidamente se adaptaria a novos contextos... foi esse o caso humano.

quinta-feira, 26 de dezembro de 2013

Planeamentos a milhões de anos

A precipitação da vida moderna levou-nos a um planeamento cada vez mais precipitado relativamente ao previsível futuro. O resultado prático é uma atabalhoada vivência num mundo caótico de referências cada vez mais efémeras. Gera-se um infindável novelo de informações que demorariam séculos a analisar, mas como servem apenas um ou dois objectivos conhecidos, ligados a valores triviais, são malha de arrasto na busca de um certo pescado, vitimando milhões de peixes só pela brutalidade do processo. Qual é o pescado procurado? Pois, esse é o maior drama... os armadores da rede nem sequer sabem o que procuram. Procuram, porque nunca souberam fazer outra coisa, e como subproduto de peixaria, vendem o que apanham. 

Para a maioria das pessoas fazer planos para a semana seguinte começa a ser complicado, e já se vê como perspectiva lírica fazer planos a vários anos. Pela análise objectiva da sua esperança de vida, o maior planeamento que se faz diz respeito à velhice. E portanto, pela condição mortal, uma idealização termina no máximo em planeamento a décadas de distância. 
No entanto, por estranho que pareça, uma significativa parte da população, sendo religiosa, aceita uma eternidade... Bom, e então quais são os planos para esse gozo de eternidade? Silêncio completo...
Decorre da mesma deriva religiosa que haverá tutores para lidar com esse fado interminável. Como qualquer conto infantil, parece ainda terminar com a frase "e viveram felizes para sempre"!
Na perspectiva bíblica, falando de um universo reduzido a menos de 6000 anos, parece haver uma experiência que atingiu apogeus "humanos" em idades pré-diluvianas que chegariam quase 1000 anos, como foi o caso de Adão. Mesmo assim, planeamentos a milhares ou milhões de anos, são basicamente coisa de crianças, quando se trata de pensar numa eternidade.
Ora, para além da evolução tecnológica, a vivência humana parece tornar-se algo repetitiva ao fim de algumas décadas. Há sempre um conjunto de idiotas que faz as mesmas idiotices, parecendo eternas crianças traquinas, entretidas em formatos diferentes das mesmas brincadeiras infantis.
Essas brincadeiras são as mesmas há milhares de anos, e muitas vezes resumem-se à insegurança e vontade de protagonismo da criança embutida no corpo adulto. Uma criança que quer ser centro de atenções, mas que ao mesmo tempo vive apavorada pelo isolamento e por monstros imaginários. 
O eventual papão debaixo da cama passa depois a ser um eventual terrorista na vizinhança. As ameaças nunca acabam, porque é óbvio que o principal monstro que enfrenta é uma espiral de medos embutida na sua cabecinha. 
O principal inimigo é o próprio, na incompreensão que tem de si mesmo. Até que aprenda a viver consigo, nunca conseguirá viver com outros. Se for um crápula, concebe implicitamente que possa trocar de papéis, e teme ser vítima do despotismo que impõe aos outros. Se não for ele que controla, questionará o controlo por outrém, a bem da equidade. A equidade só lhe interessa quando é descriminado, e normalmente é remetida contra quem tem mais e não a favor de quem tem menos. Os refúgios habituais da criança são o clube de amigos, ou a figura de pai compreensivo. O pai compreensivo, ou a mãe protectora, passam à figuração divina, ou ainda à simples figura do apadrinhanço profissional. Tendo segurança e equidade, questionará a liberdade, que afinal o condiciona a respeitar segurança e equidade. Até que cresça para entender a contradição que encerra na cabeça, será um elefante numa loja de porcelana.
Portanto, a esmagadora maioria dos adultos são efectivas crianças que nunca reflectiram, que procuram uma realização condicionando os outros aos seus medos e desejos, evitando o confronto com o outro "eu", que sempre os condicionará pelo outro lado do espelho.
Bom, e o que faz um adulto num mundo de crianças? Espera que cresçam, com a paciência de quem sabe que o tempo não se acaba amanhã, nem daqui a um milhão de anos.
Talking Heads - Heaven.

sábado, 21 de dezembro de 2013

Alfaborboleto

Sei que algumas das coisas que aqui escrevo parecem estranhas, julgadas mais fabulosas do que ligadas à realidade desvendada pelos olhos... e por isso é também aconselhado ver o que as borboletas nos trazem aos olhos, sem ser figurativamente. 
Neste caso um alfabeto borboleta!

Kjell Bloch Sandved, um fotógrafo de borboletas compilou padrões nas asas de borboletas, que se parecem bastante com números e letras do nosso alfabeto:
Padrões alfanuméricos em asas de borboletas (imagem em io9.com)

É claro que haverá quem diga que se trata de coincidência, de pareidolia, como quando uma mancha ou uma nuvem nos lembra uma cara, uma região... mas não vale a pena discutir sobre isso.
As imagens estão aí, e há muitas outras que Sandved recolheu desde 1960, publicou na revista do Smithsonian, e apresenta no seu site:


terça-feira, 17 de dezembro de 2013

Nebulosidades auditivas (6)

Normalmente tendemos a ver as coisas de forma linear, ou na forma de um plano traçado. Quando os homens partiram rumo ao horizonte, precisaram que a terra se vergasse sob forma circular para perceberem que tinham chegado ao mesmo ponto de onde tinham partido. Mas nem todos encontram essa memória, porque houve uma cedência na nossa natureza... dispomos de dois olhos para encarar o futuro conjugando perspectivas diferentes, e não de um olho para a frente e outro para trás! O que deixámos para trás vemos através de um olhar numa memória difusa. Um olhar unidireccional, algo desaconselhável numa perspectiva de competição animal, porque desprotegia a retaguarda, era compensado com alguma segurança da memória do caminho. 
Quando vogamos num mar circular, é difícil estabelecer uma ordem absoluta. As posições são relativas, e se há quem se julgue à frente, é porque pode nem dar conta das voltas que tem de atraso. E a paisagem até pode ser semelhante, e quem vê para trás e para a frente, iludido pela curvatura, não vê ninguém à sua frente, e vai debitando marcas deixadas para reavivar um mapa inscrito na memória colectiva perdida. E podemos ir por esse trilho, já calcorreado, guiados por alguma ideia do que já fomos, mas saberemos que o nosso olhar não é o mesmo. E essa é uma grande diferença... se tivermos perdido a memória, será novo, e pouco interessa que nos digam que não é. O dejá vu é uma ideia de quem está a ver de novo, e ainda que já tenha visto... não é nenhuma repetição - serve a uma nova compreensão. Se a repetição não é notada é indiferente para si, e se é notada não é nenhuma repetição total, é apenas parcial (já que pelo menos a ideia de repetição será nova ao próprio).

A nossa razão assenta sobre raízes que estabelecem um nexo causal, que do passado projecta um futuro, como uma árvore que encontra na terra a sua sustentação, mas emerge num futuro procurando uma fonte de luz. Sem sustentação sólida vogaria num vento de caos, onde seria tão provável uma realidade ou outra qualquer, por isso são as raízes comuns que nos prendem à mesma terra. Acabamos por estar entrelaçados numa malha complexa em que a fonte de luz é a própria estrutura que nos sustenta a existência diversificada... mais uma vez num misto de linearidade e circularidade, mas circularidade em espiral crescente, juntando sempre novas manifestações do já existente.

O caminho nesta estrutura não deixa de ser frágil, parecendo o voo errante de uma borboleta, sujeita a ser esmagada pelas rodas do tempo, de um passado e de um futuro que se unem no presente. Entram aqui dois aspectos, por um lado a estrutura física que se quer com raízes sólidas, e por outro lado a estrutura mental que se quer livre no voo. 
Já referimos a citação de Alexander Pope sobre Sporus, "a butterfly on a wheel", mas também é de referir a menção a Santa Catarina de Alexandria, como "butterfly on a will", e é nesse quadro que trazemos duas canções separadas por algumas décadas, mas que parecem remeter para uma mesma mensagem.
The Mission - Butterfly on a Wheel

Katy Perry - Wide Awake

A bicicleta final de Katherine parece uma forma harmoniosa de conjugar rodas que antes serviram para esmagar borboletas.

quinta-feira, 12 de dezembro de 2013

Hélgia (6)

- As associações podem ser interpretadas de múltiplas formas. Afinal o que dá mais consistência a umas coisas que a outras? Associações básicas, como o número, são como rocha. Cria-se uma estrutura perene onde assentam outras estruturas... por exemplo, as relações entre os números, por exemplo, simbolizadas pelas operações aritméticas, como soma, multiplicação, etc.
- Sim, há uma grande diferença entre um simples ver, um estabelecer de relação básica entre o observador e o observado. Sem um nexo consistente, as ideias são líquidas, não precisam de obedecer a nenhuma estrutura ou nexo sólido. Um observador estruturado encara as palavras com uma determinada ordem entre as letras... não é a mesma coisa escrever "neo", "noe", "eno", "one", apesar de serem apenas 3 letras. No entanto para um observador mais "líquido", a ordem interessa menos. Há ali 3 letras, e podem aparecer da forma que se quiser, que tudo parece a mesma coisa. É com uma troca de letras que se fazem muitos códigos entre crianças.
- No mundo de crianças há muitas ideias formadas, que são meras observações, mas que por simples relações lógicas, induzem em contraponto a um ideal positivo, um outro ideal negativo. Quando tudo é permitido podemos moldar barro da forma que quisermos, mas isso induz imediatamente a ideia do que resta...
- Exacto, e é esse problema, que se acumula com o tempo... os restos!
- Ao formarmos uma ideia estruturada, ela começa a ganhar a consistência de uma espinha, de coluna solidificada, a que se agregam as diversas ideias "líquidas" que polvilham o nosso imaginário. Se essas ideias são comuns a diferentes observadores, então estabelece-se uma ponte, um acordo entre esses observadores, que lhe dá consistência de "terra comum".
- No entanto, há uma parte criativa que produz ideias pessoais, que não têm assento nessa "terra comum", nesse acordo... onde ficam então essas ideias? Num "céu de ideias"... eh eh?
- Bom, essas estruturas mentais não deixaram de existir, nem deixaram de estar presentes nas mentes, ainda que temporariamente, talvez guardadas nalguma memória... em fantasias comuns de histórias relatadas numa comunidade em tempos remotos. Simplesmente, a realidade aparece como aquilo que não podemos deixar de ver, enquanto que os sonhos são aquilo que vemos numa interpretação dos nossos pensamentos.
- Uma criança pode fazer um boneco, um amigo imaginário, um reflexo de si mesma... desenvolvendo estruturas semelhantes de pensamento, mas que não interagem no mesmo universo. Quando as comunidades são similares, até mesmo os amigos imaginários podem ter analogias entre as diversas crianças. Porém, enquanto os adultos são confrontados com a interacção directa com a realidade, os outros processos aparecem como velhos sonhos de criança, que ganharam caminho próprio, e só incomodam o desenrolar livre dos sonhos quando a realidade se intromete no caminho. 
- A realidade é o acordo mínimo entre os diversos sonhos dos indivíduos, e em último caso pode remeter-se à lógica mais básica. O indivíduo objectivo recusa essa dupla personalidade, que lhe apresenta um sonho sem nexo. O resto, a realidade, alicerçou-se em ideias estruturadas, onde tudo tem uma razão, um caminho, que foi o que ficou depois de todos os sonhos impossíveis.
- De alguma forma, foi como uma espinha matemática, reflectida em nexos físicos consistentes, que ganharam espaço de realidade, depois de esgotada toda a matéria ilusória dos sonhos. Terminados os medos dos sonhos, pela sua falta de substância de realidades, falta-lhes espaço de impor a sua existência, excepto como uma parte integrante da mesma realidade. E é claro que a falta de nexo lógico, de estrutura razoável subjacente aos sonhos individuais, só os torna admissíveis num espaço de realidade comum com uma fragilidade própria da inconsistência ocasional.
- Num mundo idealizado por sonhos caóticos, tudo é vago, pouco perene, e fica implícita uma divisão para o que não interessa... há um mundo mitológico, algo infantil, por um lado, e uma estrutura que se solidificou, que sobreviveu pela lógica da existência do resto.
- Tal como os números primos são o resto das construções básicas da aritmética?
- Exacto, uma coisa é pensar que todos os números estão pelo menos agrupados com 2 elementos numa multiplicação, outra coisa é deixá-los de lado... no entanto, eles não desaparecem. 
- Sim, não são multiplicação reprodutiva de dois anteriores, existem como resto desse processo... mas têm direito a essa existência, por exclusão lógica do processo multiplicativo. Não são vistos como ordem, são desconsiderados até que seja inevitável a sua emergência... e o necessário estudo, por força da sua existência como realidade que se impõe.
- Depois, como é óbvio há sempre várias camadas entrelaçadas, no reflexo sobre si mesmo. Qualquer ideia gerada, é vista num nível acima como ideia do olho, em vez de ser ideia do cérebro. Por sua vez, em camada ainda superior, isso é entendido, de novo colocado para visão, num processo que não tem fim... e que é de alguma maneira bem retratado na mitologia nórdica pela figura de Loki.
- Porém uma coisa completamente diferente é o processo algo maquinal de apresentar ideias de forma fotográfica... algo típico da função de memorização, que é de certa forma independente da função de compreensão, destinada a estabelecer uma árvore de ideias com raízes sólidas.
- Sim, há uma clara distinção entre um simples saber, que pode ser visto como folhas, mas que não é árvore sem os ramos que a estruturam.
- A relação entre as ideias são o tronco, que é visível, gerando novas folhas, num outro nível, e a comunicação que se estabeleceu numa realidade entre os diversos outros, mas que fazem parte da mesma estrutura acaba por estar algo bloqueada, por diversos processos comunicacionais, entre os quais pela memória. No entanto essas ideias mais leves, de que se fazem os sonhos, sobem e podem ser partilhadas por conexões no mesmo imaginário, levando a eventuais alucinações se não houver recusa da sua plausibilidade pela comunidade "acordada".
- A estrutura lógica, matemática, acaba por ser a última rocha, o tronco onde assenta a estrutura.
- Não só matemática, mas também filosófica, que entronca na noção de existência ter observadores que recusam a anulação... em última análise, ainda que se forçasse um colapso da memória, seria apenas uma desestruturação, um cair de folhas, mas o tronco da estrutura estaria pronto para o inverno, pronto a renascer com novas folhas, com base na matemática já desenvolvida.
- A lógica acaba assim por ser o último reduto da existência?
- Sim, e também da não existência... por complementaridade.
- Mas isso não é algo contraditório?
- Não, a realidade é a fronteira que determina o contacto entre os dois universos.
- A realidade avança na direcção do imaginário, com base nas realidades passadas. Se ignorarmos as realidades passadas, a memória, então poderíamos entrar num caos, e perder a base da estrutura que nos definiu.
- Mas não perderíamos a estrutura... porque existiu sem contradição.
- Sim, mas pelo outro lado, onde a contradição é possível, não há propriamente restrições... e o vento de ideias acaba por permitir a imaginação, que pode encontrar novo espaço para se solidificar como novas raízes, desde que se estabeleçam as relações para isso.
- Bom, e sejam consistentes... ou senão serão "arte".
- O processo matemático assemelha-se a uma máquina, e pode usar-se essa figuração, levando a crer que há alguma "máquina com controlo a governar", a ponto do visualizar de novas estruturas, uma alteração do inicial, remeter para uma ideia de tempo pela modificação inerente e inevitável. Um simples "passeio" pelas alterações da estrutura remete a essa ilusão, tal como podemos ver um mundo 3D como tendo camadas de observação 2D sobrepostas
- Aliás, as nossas letras acabam por ter curiosamente uma estrutura que pode revelar observações superiores, com significados desse tipo:
- Revela-se uma cisão que não é equivalente, partindo de O inicial.
Por um lado há uma parte que se fecha num D, e uma estrutura que fica aberta num C, que receberá tudo o que fica de fora. Equivalentemente podemos ver uma estrutura superior, um céu sobre uma terra plana, que tende a ficar piramidal no A, mais uma vez deixando um universo U de fora. Numa fase seguinte, temos a perspectiva de junção de D que leva a um B, ou alternativamente os dois C levam a um E, enquanto estrutura aberta, e por simetria a um 3, que podem unir num 8. Ortogonalmente, temos uma sobreposição W e M que corresponde ao símbolo típico de infinito (ou da banda de möbius).
- Não se vê nada de AAA nem de BBB... talvez os correctores financeiros se refiram mais à música dos ABBA, ou devessem rever as notações mais para 888, havendo a hipótese WWW com XXX... eh eh! Então e a seguir?
- A seguir podemos ver como estas coisas se unem entrelaçadas, como no DNA, ou ainda nos cromossomas. O Y é tipicamente masculino e representa uma bifurcação, unida por um passado comum, ou alternativamente haverá um X (ou H) de corte de Cronos, mas que têm que pelo menos unir-se num ponto comum. Caso contrário seriam disjuntos como dois II que nunca influenciariam um e o outro. Esta união também poderia ser vista como um duplo S, um SS, ou S2, no sentido de formar um 8, ao estilo fecho Zip... seria um ZZ visto como Z5, dois caminhos seguindo entrelaçados em atacadores.
- Vocês só podem estar a gozar falando disso!...
- Claro que sim. Mas as relações não deixam de estar lá, se as quisermos ver... e há sempre quem atribua importância a estas coisas, talvez por receberem informações privilegiadas!
- Mas qual é a ideia afinal?
- A ideia é que o universo se constrói em cima de si próprio, e inevitavelmente houve um passado que  influenciará o futuro, mas também o nosso futuro determina a capacidade de investigar e recuperar esse passado. Mas tudo isto é muito mais de simples folclore individual, porque ao existir cada um condiciona-se a si próprio e aos outros.
- Bom, tudo isso me parece embrulhado num ovo caótico serpenteante.
- Mas não somos feitos da consolidação de um caldo cultural caótico?

Panjabi MC - Mundian To Bach Ke

segunda-feira, 2 de dezembro de 2013

Cores (4)

Depois do mundo a preto e branco, onde imperava um nevoeiro cinzento, apareceu a roda das cores

imagem de amopintar.com

Percebo pouco da lógica social que se foi estabelecendo associada às cores, não havendo muito acordo sobre isso. No entanto, são fundamentais o RGB, com o vermelho, que para mim representa a igualdade, o verde que representa a esperança, e o azul que representa a liberdade. Há um compromisso entre a liberdade e a igualdade, e no meio é que reside a esperança, o caminho. Tudo o resto parecem-me ser escolhas possíveis dentro da harmonia no acordo.


domingo, 1 de dezembro de 2013

Nebulosidades auditivas (5)

Em português fado é destino. Destino é para onde vamos.
Sempre achei que ao fado faltava alguma melodia e ritmo, um bater, um bateria que não bate em ninguém.
Essa bateria está bem presente no tema Gaivota, dos Amália Hoje, projecto de Nuno Gonçalves, dos "the Gift". E há coincidências que parecem presentes, neste caso de Alcobaça... e não de Tróia!
Cada qual pinta o mundo com as suas cores, com as suas dores. Porém há também as dores alheias, e se conto um conto de uma forma, mais objectiva, posso contá-lo também de forma mais pessoal. Cada pessoa tem uma mensagem, e a partilha não é posse, é dar... para receber, quem quiser.
Podemos entender ofertas que façam sentido.

Gaia vota.
Chegados ao fundo de nós, até onde mais não conseguimos ir, depois de olhar para dentro, olhemos para fora, e vejamos tudo o que ficou de fora do conjunto de nós, da corda. Onde uns vêm dragões, monstros, máquinas, vejamos o coração que bate. Avancemos para o desconhecido com a confiança dos navegadores que ousaram conhecer para além de si, e assim nos ajudaram na navegação para o interior de nós. É esse o nosso fado, e confiemos o nosso coração, um bater que nunca foi nosso... e nem vale a pena rebater.
Não é ser nacionalista dizer "Por ti Gaia", pois também foi-se bastião de "por ti cale", de um calar encoberto, em nome de uma gaivota que nos guardou as memórias. Por isso, Gaia vota, e Gaia volta e revolta, mas num sentido de novas voltas, do bater do tempo que é o bater do nosso coração, é a corda do acordo, onde os nós somos nós.
E eu não me canso de ouvir a canção... cada qual tem as suas canções e os seus cansões.

Mais do que uma pátria, que se quis formada do nada, há toda uma história mátria que não é para o oculto, nem para o culto privado, porque só esconde o passado quem teme o futuro. E os medos não devem privar-nos do futuro, remetidos a um passado de ilusão... que poderia até ter o acordo de todos nós, mas não há nós sem corda... uma corda que os liga, um "acorda" que a nós liga. A corda para a vida!

Seria de dizer - à mátria, Gaia, aMai-a hoje.
Ao jeito de pronúncia japonesa em Amália, também podemos ver Amaria, tudo depende do rosto que nos for oferecido ver, sem nunca negar os nossos dois olhos. Tudo o resto são intérpretes das interpretações, que se alimentam de egos e cegos medos inibidores.
É um concordo, com coração, corda maior que o fio do confio.
Amália Hoje - A Gaivota.