sábado, 31 de maio de 2014

Nebulosidades Auditivas (14)

Ramstein, Alemanha. 
Trata-se do centro de operações da USAFE (United States Forces in Europe) desde o final da 2ª Guerra Mundial. A construção foi iniciada em 1948-51, envolvendo 240 mil trabalhadores, a maioria dos quais imigrantes de outros países europeus, dada a escassez de população alemã após o confronto.
 

Após a sua rendição incondicional, a Alemanha foi dividida em zonas sob administração do vencedores, desde a Rússia, Inglaterra, Estados Unidos até à inoperante França. Tal como no caso da derrota napoleónica, a França emergia como vencedora após estrondosos falhanços militares.
O Plano Marshall previa uma ambiciosa política de americanização da sociedade europeia, ainda muito presa às grilhetas da sua tradicional hierarquização aristocrática e burguesa. Em certa medida, à Alemanha Ocidental seria dada toda a possibilidade de reemergir do caos da guerra. 
Para evitar as habituais disputas alsacianas entre França e Alemanha, numa fronteira sempre instável, a reconstrução europeia passou também pelo acordo sem precedentes da CEE. O renascimento alemão seria enquadrado num acordo europeu, e quanto ao aspecto militar houve ainda maior cuidado Aliado.

A Alemanha Ocidental poderia ter polícia, mas seria vedado reconstruir o exército.
Para colmatar esta falha de defesa, e perante a ameaça soviética instalada na vizinha Alemanha Oriental, os Estados Unidos encarregaram-se de assegurar a defesa alemã.
Ramstein é a face mais visível dessa ocupação militar americana, que teria o propósito de defesa.
Ora, entretanto deu-se a queda do muro de Berlim, e a junção das Alemanhas parece ter sido algo anuído por Gorbashov a Helmut Kohl, na esperança de uma aliança económica que lhe permitisse evitar o colapso da estrutura comunista decadente.
O muro caiu, as Alemanhas reuniram-se, mas Gorbashov caiu pelo desmoronamento da base da União Soviética. Dir-se-ia que a Guerra Fria tinha acabado, houve festa, concertos em Berlim... mas os americanos, é claro que não saíram de Ramstein.

Ramstein permanece americana, e dado o contexto de restrição ao exército alemão, será complicado entender essa presença como permanente ajuda defensiva para além do quadro da NATO. Efectivamente, a manutenção do império requer o controlo de pontos estratégicos, e Ramstein é um deles, tal como são outras bases militares americanas em diversos pontos do globo, talvez negociadas com mais aspecto de acordo do que de imposição unilateral.

Rammstein é uma influente e polémica banda alemã, que aparece em 1994, quando estava claro que os americanos não iriam deixar a Alemanha, apesar da queda do muro.
A banda argumentaria que o nome se referia a Rammsteine (grandes pedras nos portões contra aríetes), mas foi entendido que se referia à base militar Ramstein... só por causa do acidente de 1988, num festival aéreo

Porém, a discografia da banda parece apontar noutro sentido, como é de alguma forma evidente no tema Amerika, com um refrão elucidativo: "we are all living in America"

Rammstein - Amerika

Para além de toda a paródia à presença americana na Lua, o tema era uma contestação à omnipresença americana, que ficava evidente em "this is not a love song". 
Como a presença na Lua é entendida como indiscutível, a paródia passava mesmo por simples paródia, e o efeito pretendido foi inofensivo, sendo mais evidente a crítica à globalização norte-americana.

Os vídeos dos Rammstein, apesar de poderem ser violentos, são muito bons e exemplo disto é o vídeo que acompanha o tema Mein Herz Brennt, ilustrando uma instituição decadente que mantém presos adultos, mas que são tratados e guardados como crianças.
Mein Herz Brennt - Rammstein

Intencional ou não, há uma analogia que se pode estabelecer... a pressão psicológica exercida sobre os alemães pelos crimes da geração anterior, levou a nova geração a ser invadida por demónios, fantasmas doutros tempos, permanecendo com máscaras infantis, guardados por uma tutora entretanto envelhecida, que exerce o seu poder retendo o crescimento psicológico das crianças, entretanto já adultas, com a justificação de demónios, que são afinal produzidos internamente.
Que conexão com uma sociedade que trata os habitantes com palhaçadas infantis, que usa os medos e ameaças que o próprio poder fabrica, para assim poder condicionar o entendimento geral à infantilidade, e assim manter o seu poder?

Por muito que se tente fazer crer que estamos numa sociedade diferente, estamos numa sociedade criada e mantida pelos fantasmas não exorcizados da 2ª Guerra Mundial, com todos os terrores do holocausto. Com nazis que pareciam respeitar todas as Convenções de Genebra quanto aos prisioneiros de guerra, mas que afinal cultivavam todo o tipo de horrores imagináveis, e não antes imagináveis, a uma mão-de-obra judia que lhes era útil para sustentar a máquina de guerra. 
Que isto tenha escapado aos serviços secretos aliados, que os alemães tenham deixado sobreviventes nos campos para depois servirem de testemunhos contra si em Nuremberga, ou como se teriam alimentado os presos entre o abandono alemão e a chegada dos aliados (mais preocupados em ser os primeiros a chegar a Berlim...), pois isso são questões para as quais não se costuma encontrar resposta.

O passado está sempre entre a realidade e a ficção, e para além de provas, por vezes algo contraditórias, só resta a crença, num ou noutro sentido.
Os fantasmas, esses, existem indubitavelmente, e foram sempre levados às gerações que se seguiram, sob forma de história, umas vezes menos credível do que outras.

terça-feira, 27 de maio de 2014

Nebulosidades auditivas (13)


"The Him" - New Order - 1981

Some days you waste your life away
These times I find no words to say
A crime I once committed filled me
Too much of heaven's eyes I saw through
Only when meanings have no reason
They're taken beyond your sense of right
Small boy kneels, wandering in a great hall
He pays pennance to the air above him
White circles, black lines surround me
Reborn, so plain my eyes see
This is the reason that I came here
To be so near to such a person

I'm so tired, I'm so tired

"Bloodflowers" - The Cure - 2000

This dream never ends, you said
This feeling never goes
The time will never come to slip away
This wave never breaks, you said
This sun never sets again
These flowers will never fade
This world never stops, you said
This wonder never leaves
The time will never come to say goodbye
This tide never turns, you said
This night never falls again
These flowers will never die
Never die
Never die
These flowers will never die

This dream always ends, I said
This feeling always goes
The time always comes to slip away
This wave always breaks, I said
This sun always sets again
And these flowers will always fade
This world always stops, I said
This wonder always leaves
The time always comes to say goodbye
This tide always turns, I said
This night always falls again
And these flowers will always die
Always die
Always die
These flowers will always die

Between you and me
It's hard to ever really know
Who to trust
How to think
What to believe

Between me and you
It's hard to ever really know
Who to choose
How to feel
What to do

Never fade
Never die
You give me flowers of love
Always fade
Always die
I let fall flowers of blood

domingo, 25 de maio de 2014

NASA e NASmyth

Em 1885 um abastado inventor amador britânico, James Nasmyth decide publicar umas fotos da Lua:

 

Nasmyth não é primeiro a fotografar a Lua. Lewis Rutherfurd tinha-o feito com qualidade similar em 1865. 

Mas Nasmyth vai muito mais longe ao apresentar a foto da direita.
Deparei por acaso, há dois meses, com o livro
James Nasmyth & James Carpenter (1885)

Ora, quando vi a imagem da direita tive que perceber o que se passava! Como era possível em 1885 fazer uma foto da Lua com aquele grau de ampliação, quase só visto por via das sondas espaciais Apollo.

A história é muito curiosa, porque revela bem o engenho inventivo de Nasmyth.
Trata-se de uma foto sim, mas não é da Lua, é de um modelo da Lua.
Qual foi a ideia de Nasmyth?
Construir um molde que ia moldando até que se ajustasse às observações que fazia com um bom telescópio de 20 polegadas, que tinha adquirido. O problema é que as fotos através da lente ficavam sempre muito reduzidas face ao que conseguia ver... se conseguia ver mais, como colocar isso objectivamente, sem ser por mero desenho? 
Surgiu-lhe a ideia de fazer um modelo plástico da Lua, e ir moldando até que o que via no telescópio era igual ao que via no molde esculpido. O resultado foi surpreendente, pois as imagens assemelharam-se muito ao que se observava, e outros astrónomos validaram que as fotos de Nasmyth correspondiam ao que eles próprios viam nos seus telescópios.

Coloco aqui mais 9 imagens constantes do livro de Nasmyth
  

  

  

Bom, até aqui não haveria grande problema, mas Nasmyth decide dar um passo à frente.
Se tinha o modelo, e ele ajustava-se bem às observações, por que não tirar fotos do modelo usando outras perspectivas?
Assim, Nasmyth vai mesmo fazer uma foto como seria vista uma cratera por uma Apollo em órbita lunar:
Não parece assim tão errada quanto depois veio a ser publicitado pela NASA... Nasmyth até considera luzinhas das estrelas, algo que a agência preferiu omitir.

Bom, e afinal o que fazia a NASA nos anos 1960?

Pois... a NASA fazia modelos, usando a mesma técnica que Nasmyth tinha pensado 80 anos antes.
(artigo com várias fotos dos modelos usados pela NASA)

Não é negado que a NASA usou estes modelos para simulação das viagens, e que as filmagens usando estes modelos seriam muito próximas daquelas que foram depois divulgadas.

Para vermos como Nasmyth foi uma fonte inspiradora da NASA, basta ver uma idealização sua de um eclipse terrestre visto da Lua, que faz lembrar muitas das paisagens espaciais desenhadas na NASA.
Idealização de Nasmyth sobre um Eclipse Terreste visto na Lua.

Procurei imagens de eclipses terrestres, mas só encontrei verosímeis vindos da sonda japonesa Kaguya... mas parece que é suposto a última missão Apollo 17 ter tirado este:

... ora essa imagem da Terra em eclipse é suposto ter sido retirada daqui:
 
Eclipse terrestre visto da Lua (em web.mit.edu
e habitual foto da Terra - sem eclipse - divulgada pela Apollo 17.
[sim, eu sei, são todas a mesma]

... enfim, só se for mesmo para eclipsar o que resta da credibilidade da NASA, já que ninguém no seu bom senso pode considerar tal imagem minimamente verosímil. 

Como a imagem não é fácil de encontrar, creio que é melhor a NASA assumir a incompetência de se esquecer de tirar imagens de um eclipse terrestre, do que ousar que no bréu do eclipse terrestre havia luz e sombras verticais de astronautas... para além de várias falhas na própria difracção da luz solar, entre muitas outras coisas, onde a Terra ser gigantesca é o menor dos problemas.

Afinal, basta reparar que a imagem da Terra que escolheram para o eclipse é a celebrada foto da Terra feita pela Apollo 17. Pois, pois é! 
A menos que a Terra não tenha rodado e que as nuvens tenham ficado estáticas uns dias para a fotografia, parece que a manipulação é demasiado evidente - mesmo para os baixos standards a que a NASA nos tem habituado.

Para compreendermos como as palavras traduzem mais do que parecem, notemos no seguinte:
NAS-A
NAS-MYTH
... e que Nasmyth foi inspiração para o NASA-Myth, creio que ficou bem claro.

quinta-feira, 15 de maio de 2014

Questão do EU

A Questão do EU é geometricamente esta:

Eu ... um ... u3

É uma perfeita estupidez começar por assumir que nós somos seres insignificantes num pequeno planeta, num minúsculo Sol, numa entre muitas galáxias... isso poderá ser um ponto de chegada conclusivo, mas nunca um ponto de partida reflexivo.
Porquê?
Porque podemos fechar os olhos e as gloriosas vistas desaparecem, o eremita pode isolar-se numa cela insonorizada para recusar o mundo exterior, mas nunca conseguirá fugir de si próprio.

Suponhamos agora que o eremita ao encontrar-se em sintonia consigo, em auto-suficiência, recusava o exterior. O que acontecia? Entrava num sonho enfabulado de si mesmo. Definiria o seu próprio universo. É também isso que compram as drogas, uma alucinação conveniente. Se essa alucinação não fosse atenuada pela ressaca, poderia ter um destino ainda mais vegetal.

Podemos acreditar ter ido à Lua ou à galáxia mais recôndita do universo, sem nunca ter saído do mesmo sítio... tudo depende do tipo de alucinação que se acorda.
É perfeitamente possível pegar numa pessoa, enfiá-la num simulador qualquer e fazer-lhe crer que andou na Lua. Como já dissemos, as velhas questões filosóficas sobre a ilusão dos sentidos, tornam-se cada vez mais exequíveis com os simuladores de realidade virtual.

A dualidade entre nós e o exterior é feita por aquilo a que se habituou chamar "sentidos".
No entanto, como sabemos, num sonho, ou numa alucinação, não precisamos dos olhos para vermos, não precisamos das pernas para andar, nem dos ouvidos para ouvir.

Sonho embalado
Ora, a velha questão filosófica era distinguir o sonho da realidade... já que nada impediria esta realidade de ser apenas um sonho. Para esse efeito, as respostas científicas valem zero, são profissões de fé.
Pior, as comunidades, os grupos, justificam-se diminuindo o indivíduo.
Glorificam heróis para representar o grupo, mas isso serve uma diminuição dos outros indivíduos.
Os grupos precisam de justificar-se pelas suas heranças.
Um grupo é sempre incompleto, porque não tem unidade nas diferenças individuais.
No máximo pode procurar unidade na forma de um líder... mas isso corresponderia a uma anulação efectiva dos restantes, surgindo como extensão corporal desse líder. Como a anulação dos restantes não se poderia efectivar, a menos de seres robotizados, a sua manifestação será sempre uma perturbação à unidade.

Por definição, a unidade existe apenas no indivíduo. É ele que agrega em si, de forma harmoniosa, diferentes manifestações mentais, que até poderiam corresponder a diversos indivíduos, como personagens num conto, mas que sabem conviver juntos num só corpo, num só cérebro.

pSismos
Que sentido tem um sujeito afirmar-se perante os outros como solipsista?
A posição do "eu" como única entidade decorre de uma deficiência da noção.
O "eu" só poderia ser considerado como único num universo estático.
Assim que há mudança, temos duas hipóteses: - ou o "eu" controla por completo essa mudança, ou ela é-lhe alheia.
Se controla por completo a mudança, não há nenhuma mudança... porque efectivamente já estava prevista antes, já existia em si conscientemente no momento anterior.
Vemos assim que a posição solipsista é puramente insustentável na existência de tempo.
Um solipsista coerente está congelado.

Daqui deveria seguir-se o bipsismo... mas o termo não existe, e há múltiplas definições de dualismo, nenhuma das quais ajustáveis muito ajustáveis ao que vou dizer. Talvez a mais próxima seja ontológica, no dualismo yin-yang do taoísmo, ou a uma dança de Xiva... mas mesmo assim usa uma definição temporal, passando mais a triplicidade.

Bipsismo. 
Bom, mas o que é então este bipsismo?
Definida a consciência no "eu", aparece inevitavelmente o "não eu" - ou seja, tudo o que nos é alheio, sem um nexo remetido ao "eu".
Até aqui parece ser uma mera dualidade entre "eu" e "não-eu".
Começa por ter diferença, porque a própria noção temporal nos é alheia... não controlamos o tempo. Este "não-eu" surge assim como uma entidade imensa... englobando tempo, espaço, ideias, etc.

O bipsismo consiste em assumir que apenas existem estas duas entidades, ao invés de uma, e segue-se assim naturalmente ao solipsismo.
Que estas duas entidades existem, é inegável, tão inegável quanto o "eu" existir.
A questão é saber se o "não-eu" tem que ser necessariamente múltiplo, ou pode ser visto como uma única entidade, nesta perspectiva dual.
O mais próximo que temos disso é a relação unipessoal com Deus, mas apesar de se dizer que está em a toda a parte, ninguém assume que Deus seja simultaneamente a vizinha, o padeiro, e o piriquito. Pode-se admitir "estar" temporariamente, mas não "ser".

Ora, aceitando que o "não-eu" é uma entidade conectada, entra-se na suprema "teoria da conspiração" - tudo o resto está em oposição... numa forma de Deus unipessoal, se quisermos. Só que os processos lógicos têm o reverso da medalha, e seria igualmente válido na perspectiva oposta, em que o "eu" passa a ser o "não-eu".
Bom, mas que entidade controla a relação entre o "eu" e "não-eu", a sua evolução?

Tripsismo
O controlo da evolução por um "não-eu" remete pelo menos para uma entidade superior formada pelo par ("eu", "não-eu"), que não pertence a nenhum dos dois, a menos que se assumisse que o "eu" era uma subparte do "não-eu", algo contraditório por definição.
Automaticamente vemos que o "não-eu" é uma entidade de alguma forma circunscrita à lógica, e há noções perenes, automáticas, matemáticas, que escapam a qualquer controlo, seja do "eu" ou de um "não-eu" mais personalizado.
Assim, devemos falar no "eu", no "não-eu", e nos automatismos, lógicos e matemáticos, que circunscrevem os dois.

Na evolução temporal (cronos), para além de cada um, existe a fronteira (raia) que delimita.
É uma entidade independente, é o corte adamantino que faz a separação entre o "eu" e o "não-eu".
Sabemos que há alguma previsibilidade na evolução dessa linha fronteiriça, pelas leis da natureza, pela lógica, e assim a relação entre "eu" e "não-eu" não é arbitrária. Pode ser algo caótica, pelo que desconhecemos, mas é também algo ordenada pelo que conhecemos.
Assim, o supremo teórico da conspiração pode ficar descansado porque não há nenhum poder ilimitado do "não-eu" sobre o "eu". Um espírito racional tem meios inerentes para recusar o ilógico. O ilógico só tem existência temporária em discursos, em pensamentos, não pode ter existência na realidade.

Face ao bipsismo há uma pequena grande diferença - não se tratam de duas entidades que interagem de qualquer forma... há regras, e um caminho determinado para ambas.
A determinação não é pré-determinação, é um traço que já separou o "eu" do "não-eu", do princípio ao fim.
Qual fim?
O fim do "eu" apresentaria o "não-eu" como entidade única... no entanto tal coisa só se definiria como negação do "eu", e por isso o "eu" estaria inevitavelmente presente.
Esta dualidade é arbitrária. Passamos então ao outro lado do espelho.
O fim do "não-eu" apresentaria o "eu" como entidade única... no entanto tal coisa só se definiria como negação do "não-eu", e por isso o "não-eu" estaria inevitavelmente presente.
Esta segunda redacção é mais fácil de aceitar, porque nos parece absurdo poder eliminar o "não-eu", mas como vemos é só uma questão de mudar os nomes.

Os outros
Tudo isto parece esquisito, porque estou em terrenos de que ninguém fala ou ousa falar.
Na realidade, uma vez percebido, é simples.

Podemos prosseguir na análise do não-eu, continuando nas divisões.
Uma divisão óbvia é assumir que o não-eu é composto de várias entidades não ligadas. No entanto isto é uma pura suposição de vivência, não há nenhuma certeza que nos diga que o padeiro, a vizinha e o piriquito são personagens diferentes e não são emanações da mesma entidade. É claro que todos vão dizer que não são... mas é essa consistência que temos que concluir, e não assumir. Até porque os próprios não poderiam fazer crer diferente, pela consistência do seu papel.

Como tivemos oportunidade de referir no texto Truman a hipótese de um indivíduo estar sozinho, sendo completamente manietado por um exterior organizado, é teoria de conspiração, mas também hipótese de inegável consistência. Só que quanto mais o exterior se define em função do interior, maior é a potência do impotente. A dualidade torna-os equipotentes lógicos.

Já concluímos que o "eu" tem que assumir pelo menos a existência de um "outro", e será uma entidade igualmente inteligente porque responde dessa forma. É inútil pensar que o que se nos opõe ou é mais ou é menos inteligente. A inteligência está definida à medida do receptor, e por isso o receptor tem a inteligência necessária para o seu completo entendimento do seu universo. Isso implica não olhar só para além de si, implica olhar para si, antes de mais. O completo entendimento não é o entendimento total, é antes de mais o entendimento da razão das limitações.

A análise da dualidade entre "eu" e "não-eu" não garante a existência de múltiplos outros. Existindo muitos "eus" existem igualmente muitos "não-eus". Se os "eus" estão separados, os "não-eus" não estão, têm uma parte conjunta, que se manifesta na complementaridade comum. A isto deveria ser dado um outro tipo de atenção... mas não é aqui o propósito.

Para termos as coisas mais claras, conhecidas as possibilidades na internet, um observador exterior pode pensar que eu e os comentadores somos todos a mesma pessoa, eu posso achar que diferentes comentadores são o mesmo, etc... Nem é preciso inventar, esse tipo de questões já se colocou aqui.
A interacção na internet tornou estes assuntos mais claros, mas nada impede que eles se coloquem mesmo ao nível da realidade que admitimos, especialmente com o advento de androides manietados.
No entanto, estas questões são mais antigas.
Por exemplo, quando era admitido as pessoas estarem "possuídas por espíritos".

Hoje em dia, quando vemos alguns discursos repetidos...

... só nos resta agradecer a Ayrault e Hollande a ilustração de como um espírito se pode manifestar em dois corpos distintos, sem estar em nenhum deles.

17/05/2014

sábado, 10 de maio de 2014

Redescobertas

Há um fenómeno muito interessante na redescoberta.
As descobertas não se dão em simultâneo, porque as pessoas são diferentes, e aquilo que apreendem de uma informação não é o mesmo, e é até diferente em tempos diferentes, porque o próprio já é diferente.

Internet
O aparecimento da internet foi sintomático para vermos o efeito das redescobertas.
O meio científico foi o primeiro a desenvolver a internet, mas esta teria interesse limitado se tivesse ficado por ali, ou pelas empresas de tecnologia. Foi a expansão a outros quadrantes da sociedade que lhe deu maior ânimo.
Uns sectores mantiveram-se mais afastados do que outros. Sempre houve quem considerasse ser coisas doutros, que não era para si, que poderia obter o mesmo doutra forma, etc...
No entanto, a cada vez que um novo sector redescobria a internet, novas coisas eram acrescentadas.

Para quem já conhecia o assunto, era quase uma tortura apanhar com essas redescobertas, até porque muitas vezes eram apresentadas de forma diferente.
Cada um julgava que tinha descoberto a roda, e até os sectores do Estado iam experimentando as novidades, julgando que tinham descoberto a panaceia... torturando os pacientes com burocracias.

No entanto, no meio do processo, acabaram mesmo por surgir novidades, por fenómeno social.
Assim, quem tinha visto a internet no início, e se colocasse nesse âmbito, passava ao lado do crescente fenómeno popular das redes sociais. Simplesmente não lhes dava importância.

Quem julga que já sabe, pura e simplesmente ignora o resto.
Lembro perfeitamente um amigo achar que a mulher era "maluca" porque lhe disse para procurar uma coisa na internet sem lhe dar o endereço exacto. 
Ora, antes do Altavista, Google, etc... não havia motores de procura. 
Nessa altura só se seguia a informação por cliques... ou sabendo o endereço exacto. 
Sim, foi há muito tempo, na pré-história, isto é, há quase vinte anos!
Quando lhe disse que ela tinha razão, ele ficou muito atrapalhado, porque usava a internet habitualmente... mas seguia a velha receita, que funcionava, mas era limitada.

Por outro lado, quem se habituou ao Google, poderia questionar para que servia o endereço em cima, e já raramente sabe o que é um URL e que esse URL era associado a uma sequência de números, o IP. 
Por exemplo, www.google.com ou 173.194.34.5 leva à página principal da Google (ver outros).

História de nomes perdidos
Quando se redescobrem coisas, é habitual cada comunidade colocar o seu nome, ignorando outros já existentes. Assim, apareceram expressões que caíram em desuso, mas tiveram o seu tempo... uma delas o "portal", outra "autoestrada da informação", etc.

Este tipo de informação - nomes alternativos - tende a perder-se com o tempo, e a prestar-se à confusão. A certa altura não se sabe se é referida a mesma coisa ou não.
Isso foi particularmente notório na época dos descobrimentos. 
Como já percebemos, houve múltiplos redescobrimentos, porque as coisas eram ocultadas. Ficava um nome de uma ilha, que depois já não se sabia a que ilha correspondia. Podem ter havido dezenas de nomes diferentes para a Austrália... tantas vezes foi redescoberta entre os Séc. XVI e XVIII. Nova Holanda, Nuca Antara, Austrália do Espírito Santo, Java Maior, Terra Magalhanica, Taprobana, Nova Guiné... são alguns exemplos conhecidos e outros candidatos que junto. 
Da mesma forma, a América foi entendida como sendo a Atlântida no Séc. XV, e isso ainda se manteve presente nos séculos seguintes, até se propagandear de novo que seria ilha diferente.
Outros nomes que me parece terem sido usados para América foram Etiópia e Guiné. 
Etiópia quando se pretendeu, como Colombo, ignorar a América... assim o Brasil apareceria em latitudes etíopes. 
Guiné quando se percebeu  que isso não era assim... depois, por via do Tratado de Tordesilhas, os domínios americanos correspondentes a essa Guiné oculta reclamada por D. João II, saíram da parte portuguesa, e a Guiné portuguesa ficou apenas em África. Quando se volta a usar o termo Nova Guiné, é para a outra grande extensão que ficaria oculta e que deverá ter incluído a parte australiana.

Claro, perante o significado directo actual de uma paragem ao seu nome, parece algo ridículo pensar que o Golfo da Guiné pudesse ser o Golfo do México... Por isso, quando se lêem textos antigos é melhor não fazer a associação ao que ficou depois. É preciso questionar por que razão a viagem de Colombo à América colocava em causa os "domínios da Guiné" de D. João II... se essa Guiné estivesse em África.

Por isso as palavras, apesar de iguais, nem sempre eram referidas com o sentido que lhes damos hoje, e se isso já é complicado dentro da mesma língua, mais complicado é nas traduções de línguas perdidas.
Há uma grande quantidade de ilhas referidas nos documentos dos Séc. XVI e seguintes, de que se perdeu a correspondência, e pensar que o nome igual é suficiente é hipótese ligeira. Houve muitos nomes iguais em paragens distintas. Houve várias ilhas de Santiago, de São Vicente, do Maio, etc...

No meio deste processo, há quem remeta estas considerações para teorias "malucas", e outros que sabendo mais, ficam apenas a pensar - olha mais um que julga que descobriu a roda! O problema é que seguindo por caminhos diferentes, o resultado pode ser parecido, mas nem sempre é o mesmo. 
Quem descobre tende a dar pouco valor de novidade à redescoberta, prefere ficar preso ao que sabe, e vai tentando desvalorizar o que não sabia.

Filosofia
Filosofia é aquela disciplina que aparece no ensino secundário e para a maior parte das pessoas serviu para saber que Platão e Sócrates foram gregos importantes.
As coisas são como são, e quando as repostas são dadas antes das perguntas, a sensibilidade é outra.
A filosofia só faz sentido depois de surgirem naturalmente as perguntas.
Podemos ensinar uma criança a decorar o nome de milhares de símbolos chineses, mas apesar de estar familiarizada com esses símbolos, isso não significa que entenda sequer uma palavra de chinês.

Nos dias que correm, por via da tecnologia, do cinema, da realidade virtual, etc. é mais natural que as antigas perguntas surjam como coisas novas, a quem nunca as percebeu antes.
Vamos entrar num processo de redescoberta da roda... mas devemos ter em atenção se são apenas redescobertas, ou se pode surgir algo novo entretanto, por razão do caminho ter sido diferente.

Um filme muito interessante que apareceu em 2009 é Surrogates
How do you save humanity, when the only thing that's real is you?

Por acaso também vi publicidade a um livro que se vende:
... e antes de pensar que é mais uma treta de auto-ajuda, fui lá ver o âmbito do bicharoco.

Ora, o que se passa é que numa sociedade educada cientifica e tecnologicamente, os cientistas começam tarde a perceber os problemas que a filosofia abordava há milhares de anos.
Porém, vêm como uma visão diferente, não chegam à filosofia pela leitura dos filósofos... chegam à filosofia pelos paradigmas científicos. A alegoria da caverna de Plarão só é entendida quando pode ser simulada num laboratório qualquer... enfim!

Quem escreveu o livro não viu o filme, ou não percebeu uma grande parte dos filmes de ficção científica, não interessa.
O que interessa é que a realidade virtual que para um filósofo antigo poderia ser observada num simples sonho ou alienação, para a maioria das pessoas educadas cientificamente só aparece mesmo quando há máquinas capazes de fazer o quê? - De simular sonhos ou alienações...

Mas o contexto é diferente... é diferente, porque o sonho é suposto não ter ligação com a realidade, enquanto que os desenvolvimentos científicos vão permitir ligar as simulações à realidade.
Esse é o contexto do filme Surrogates.
As pessoas deixam de interagir na realidade. 
Passam a controlar robots, androides, e é através desses androides que vivem a nova realidade. 
Muito semelhante ao que se pode passar na internet, onde podemos não saber com quem falamos, onde muitos serem apenas um, ou vice-versa, mas passando de um mundo virtual ao real.

Desejo... esse desconhecido
A interacção com as novas tecnologias parece permitir grandes novidades, mas a maioria dessas novidades são uma questão de simples relação entre fé e desejo.
O que vemos nesses desenvolvimentos científicos é a vontade se ser mais do que se é, como se o segredo de maior felicidade fosse um ajustar da realidade aos nossos desejos.
Os nossos desejos foram evoluindo por uma multiplicidade de factores, e há alguns que fazem sentido, e outros que não fazem sentido nenhum. 
Entre os desejos que fazem sentido é uma vontade de melhorar a saúde, o conforto, ou contactar com entes queridos que desapareceram. 
Entre os desejos que não fazem sentido é a vontade de ganhar protagonismo face aos restantes, de obter imediatamente o que se quer, etc... São desejos infantis, próprios de uma herança animal. 

São desejos possíveis, mas as pessoas não vêm até onde eles podem ir.
O desejo de protagonismo face aos outros implica uma menorização dos outros, e isso leva a uma contradição. Primeiro porque se todos têm o mesmo desejo, ele não pode ser concretizado na mesma realidade. Segundo, porque isso criaria realidades diferentes, onde cada um estaria afinal isolado. Terceiro, porque nessa realidade isolada onde era o "maior do bairro", era apenas um deus dos bichos - os outros não podiam ser iguais a si, porque ele tinha que ser superior.
Obter imediatamente, ou a muito curto prazo, o que se quer, leva também a uma previsibilidade. 
A pessoa passaria a saber que os seus desejos seriam atendidos.
Se evitar o que se não quer, ou tolera, me parece algo desejável, no acordo com os outros, já ser realizado o que se quer implicaria uma previsibilidade. Alguma previsibilidade é necessária, mas um excesso de previsibilidade mataria-nos o interesse por novas coisas.

Implantes robotizados e outras tretas
Assim, a ciência caminha para a descoberta árdua da filosofia. 
Haverá uns tantos idiotas que vão arranjar cobaias para acrescentos cerebrais, desde chips para aumento de memória, com interacção com máquinas, etc...

Podemos ter um indivíduo ao nosso lado que joga xadrez como o Deep Blue, que faz um milhão de contas num segundo, que tem todos os livros do mundo na cabeça, algo por exemplo, como é sugerido no filme Transcendence (que ainda não vi):
Transcendence - trailer 2014

Porém, a ideia de que isto se trata de "transcendência" é o mesmo do que pensar que um adulto transcende uma criança. Podemos ter mais faculdades, mas se os conceitos são os mesmos, nada de diferente foi alcançado. Certamente que não é tendo mais memória ou mais capacidade de cálculo que se atinge algo de novo.
Atinge-se o mesmo, apenas em quantidade superior.
Depois, o óbvio.
Se jogamos xadrez melhor que o Deep Blue, qual o interesse de jogar com um humano?
Pior, como a capacidade das máquinas irá em breve permitir determinar qualquer jogo de xadrez, qual o interesse do jogo? Nenhum! Perde interesse, simplesmente.
Aumenta-se a complexidade do xadrez? Mais peças, maior tabuleiro? Para quê? Não era um simples jogo? Fica mais interessante depois? Não! Apenas aumenta a complexidade.
O que interessa é que o número de parceiros diminui...

Quem joga xadrez percebe a beleza de algumas jogadas, mesmo a um nível médio. Onde está essa beleza, colocada nuns quadradinhos idiotas com poucas peças? Essa beleza está na nossa cabeça, no facto de podermos desfrutar com o nosso conhecimento - ser surpreendidos e surpreender.
Quando a surpresa desaparecer, desaparece a beleza.
Quando o conhecimento aniquilar o desconhecimento desaparece o propósito de vida.

Não somos definidos pelo que temos. Somos definidos pelo que nos falta. É isso que nos move.
À noção de Deus nada falta, e assim nada o moveria.
Um Deus estático é o Universo intemporal, como Espinosa notou.

Quem não sabe o que lhe falta, move-se como uma barata tonta, perdida em múltiplas direcções.
Pode acrescentar o lixo todo que quiser ao seu conhecimento, mas só aumenta o seu lastro.
Só precisamos do conhecimento necessário para ser surpreendidos com novo desconhecimento.
Quanto mais depressa se procurar o conhecimento completo, com menos nos surpreenderemos.

Se me falta alguma coisa, é mais que os outros percebam isto... mas isso, como é óbvio, pouco depende de mim.

sábado, 3 de maio de 2014

Arvorio

Apesar das coisas nos aparecerem de forma muito diversa, há relações que se podem estabelecer quando a análise é suficientemente abstracta, identificando estruturas comuns.
Perfis de uma árvore, e da bacia hidrográfica de um rio.

É claro que apesar das semelhanças que procurámos tornar evidentes na figura de cima, poderá haver quem veja apenas um rio e uma árvore. Portanto, há um certo tipo de relações que podem ser estabelecidas e que não colhem qualquer sensibilidade, quando as mentes se colam ao objecto, e não se afastam o suficiente, para uma visão não literal.

No entanto, imagino que para as semelhanças na figura de cima, haja alguma sensibilidade e se consiga ver uma relação entre uma coisa e outra, num sentido dual. Se a árvore bifurca em ramos partindo do tronco comum, um rio colhe água dos afluentes formando depois um curso comum. A árvore tem ainda a particularidade de evidenciar nas suas raízes a mesma faceta aglomeradora de nutrientes transportados ao tronco. Se o curso do rio vai para o "mar", o curso da árvore vai para o "ar".

Porém, o caso muda de figura, quando passamos para outros aspectos relacionais menos vulgares.
A palavra "árvore" pode ser vista numa composição "ar+vore", e sem ir à etimologia latina do "arboris", vamos simplesmente notar que "de-vorar" está ligado à palavra voraz, ligando-se à alimentação.
Portanto, numa arbitrária ligação podemos entender "arvorar" como um alimentar-se de ar.
O significado popular de "arvorar", ligado a um inchar balofo, liga perfeitamente a esta noção... e assim uma árvore voraz por ar, pode ter feito parte de um entendimento primevo (por desconhecimento doutra forma de alimentação, ou enfatizando esta).

Note-se que há uma distinção entre "árvore" e "planta", onde a última remete a "plantação"... e inicialmente uma árvore não seria vista como "plantável".
Ora "plantar" tem um outro significado, ligado a uma posição fixa, como "estar em plantão".
Acresce que o planeamento da plantação pode ter gerado a própria noção de "planta", enquanto representação geométrica da posição das sementes. Acresce ainda que a orientação seria feita através de um marco visível... ou seja, a orientação da "planta" poderia ser "pela anta", "pel'anta".
Argumentação especulativa? Sim. Circunstancial? Não.
Se fosse este apenas um caso, poderia ser entendido como acidental... mas não é. A própria palavra "plano" pode remeter a "pelo ano", "pel'ano", denotando um agendamento agrícola.
Também não é circunstancial pelos inúmeros exemplos que tenho aqui apresentado, e se não coloco mais é porque se tornaria maçador e intrincado.
Quem quiser também pode não entender que "enterra" é meter "em terra", e esta é mais óbvia, mas também pode haver quem ache que não. Nuns casos, a ligação é evidente, noutros nem tanto.
A informação está aí para ser vista, quem quer ver vê...
Pode-se fechar os olhos, mas não desaparece.

Pois... note-se então o piscar de olho.
Talk, talk - it's my life.