segunda-feira, 25 de agosto de 2014

Muh

MUH funciona como acrónimo para Mathematical Universe Hypothesis... ou seja, é uma hipótese cosmológica em que a nossa realidade exterior se resume a uma estrutura matemática.
Apesar de ter sido popularizada mais recentemente (por M. Tegmark), parece pouco mais que uma repiscagem moderna de antigas concepções pitagóricas, lembrando que a Pitágoras já era atribuída a frase "tudo é número". 
A principal diferença será o incorporar de concepções matemáticas modernas (como a teoria de conjuntos e a complexidade da teoria do caos), mas reduz-se equivalentemente à noção abstracta de número.
MUH... por coincidência, numa imagem da wikipedia sobre o touro de lide, 
aparece a marcação de ferro com números. Toda esta imagem é um número no 
computador, mas como habitual só identificamos os símbolos numéricos no dorso.

A presença da matemática na modelação cada vez mais perfeita dos fenómenos observados, veio trazer sucessivamente a ideia de uma ligação entre realidade e matemática. Porém, apesar da crença estar instalada desde os tempos pitagóricos, houve sempre firme resistência a esta concepção platónica, em que as ideias abstractas seriam o alfa e o ómega da existência. A realidade virtual simulada em computadores seria para qualquer pitagórico uma prova indiscutível das lições do mestre, mas certamente que não explicaria tudo. 
É assim muito natural que se reencontrem hoje adeptos de um novo pitagorismo, suportado ainda pela emergência de padrões em estruturas aparentemente caóticas - como foi o caso dos fractais de Mandelbrot.

Quando escrevi o texto Arquitecturas (5) foi exactamente neste sentido MUH. Apesar de desconhecer os outros trabalhos recentes, ficou evidente que a teoria pitagórica era a que aparecia naturalmente.
A questão principal nem foi tanto perceber a hipótese MUH, porque essa é óbvia, mas sim perceber que nenhuma outra faz sentido. O problema fundamental é entender o que pode existir como constituinte... o que pode fazer sentido como partícula atómica. 
As teorias físicas actuais envolvem várias partículas, de quarks e leptões a bosões, que justificam uma certa zoologia de partículas subatómicas. No entanto, o ponto principal numa teoria de multi-partículas é a sua geração. Como apareceu então o primeiro electrão, o primeiro bosão, etc.?
Estas perguntas não são respondidas - admite-se que se formaram numa sopa do big-bang, e pronto sai uma história do caldeirão.
Ora, o ponto principal na causalidade é que cada constituinte teria que ser formado - se é formado por via de constituintes anteriores, então não é atómico - no sentido em que deriva de componentes.
Portanto, para cada geração do nada, de cada partícula, estamos a falar da geração de um universo a partir do vazio. Se estamos a falar da geração de partículas distintas a partir do mesmo vazio, a coisa não faz sentido nenhum... De alguma forma, os físicos parecem esquecer-se que as suas equações não vivem no éter, e portanto um universo que obedecesse a leis pré-estabelecidas implicaria um universo anterior onde se estabeleceram essas leis... mas parece que na história do caldeirão só interessa a sopa, é esquecida a formação do recipiente onde estava o caldo, e pior é esquecida a receita para o cozinhado da Criação.
Os astrofísicos do big-bang contam-nos praticamente ipsis verbis a história da sopa da pedra.

Assim, se um ponto principal no texto Arquitecturas (5) foi perceber o mecanismo natural da geração, que pode ser vista como uma inflação eterna, tendo simultaneamente um aspecto determinista e caótico; outro ponto principal foi entender que a única "partícula" que poderia estar em causa seria o próprio universo nos seus estados de evolução. Ou seja, o próprio universo, no seu estado anterior, servia de átomo para o universo no seu estado posterior. Não pode ser doutra forma, porque a ideia de ir buscar outros constituintes seria admitir outros universos em si... e por definição, Universo só existe um.
O que se passa é que há diferentes concepções de Universo, que vão contra a noção de ser tudo o que existe. Essas concepções vêm da percepção física que ligam mais o universo à astronomia, reduzindo quase tudo a um modelo visual de compreensão da realidade... quase como se os invisuais não tivessem direito a compreender o universo. Por isso fala-se também em "multiverso", no sentido de podermos ter outras manifestações da realidade. Ora, o óbvio é que todos esses "multiversos", versões diferentes do universo físico, seriam ainda parte de um Universo maior... e só a esse, que engloba tudo, é que se pode chamar Universo.

Uma outra questão que tenho abordado, é a impossibilidade de existência de um universo sem observadores, algo que entretanto percebi ter o nome de "Princípio Antrópico", quando aplicado a observadores humanos. Por um lado, parece uma tautologia - o único universo que conhecemos é aquele que se "esforçou" por nos dar existência... mas deixa de ser algo tão simples, quando entendemos que o universo só encontrou a sua existência quando formou seres capazes dessa observação (Arquitecturas (3)).

Usando a comparação anterior, a sopa só existe até haver alguém que a prove... antes disso, sem haver quem espreite no caldeirão, poderia até nem haver sopa nenhuma.
A prova pelo sabor é parecida com a prova pelo saber.
As papilas gustativas do conhecimento são as relações lógicas e matemáticas que estabelecem a prova.
Só que é um pouco mais complicado, para um gosto requintado é preciso identificar cada um dos constituintes, e entender a forma como se combinam na prova.
Conforme salientado no Arquitecturas (3), não há observação quando há coincidência entre observador e observado. Nesse caso há apenas duplicação. Por isso, a visão perfeita do exterior apenas o traria como cópia para o interior... isso não é observação é duplicação por réplica.
A observação é fruto de uma visão imperfeita do observado. É a formação de um pequeno universo interno resultante de visões imperfeitas do universo exterior. Essa visão pessoal é herdada na linguagem, nas noções linguísticas que aprendemos e que nos são inerentes. Essas noções abstractas ficaram como invariantes no nosso universo. No nosso universo sabemos que 2 será sempre menor que 3. Apesar de não parecer, a linguagem que usamos é tão abstracta quanto a matemática. Aliás, a matemática não é mais do que uma linguagem... e poderia ser usada como linguagem vulgar. Para dizermos que ontem fomos à praia, seria tão enfadonho como escrever "eu(tempo)=ontem; eu(local)=praia".
O exercício da linguagem é a descrição interna do universo externo. Como a linguagem tem inerentes as noções fundamentais de compreensão, há três pessoas na conjugação trinitária. O "eu" observador, o "tu" observado, e um "ele" que é a estrutura que liga e separa os dois. O ponto comum nessa ligação é a compressão pela linguagem, sendo claro que a incompreensão, o silêncio, separa e isola os mundos.

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