segunda-feira, 26 de janeiro de 2015

Nebulosidades auditivas (25)

Red or Blue Pill?
Syriza - Pílula vermelha ou azul? 

A metáfora da escolha entre a realidade vermelha e um sonho azul foi explorada no filme Matrix, e tem a virtualidade de ser aplicável a diversas situações análogas. 
De forma politicamente correcta, ilustraria a dependência de drogas, onde o sonho azul sai do consumo de alucinogénios que evitam temporariamente a dura realidade. Essa forma é politicamente correcta se ignorarmos que os traficantes de droga já foram Estados, nomeadamente a Inglaterra que forçou a venda de ópio à China, no Séc. XIX. Esta foi uma maneira de equilibrar contas, quando o consumo excessivo de produtos chineses ameaçava ruir a economia europeia - que pouca coisa conseguia vender à China. A população chinesa tornou-se fortemente dependente de ópio, ameaçando a estrutura social. Todo o tráfico não se baseia apenas na persuasão, e quando é necessário recorre-se à intimidação. Pequim acabou por cair em 1900 com uma coligação de oito honoráveis potências.

Dir-se-ia que isso são histórias passadas, mas não é bem assim.
Os traficantes de sonhos evoluíram e deixaram o ópio e outros alucinogénios para negociatas secundárias. 
O novo negócio passou a ser "o sonho tornado realidade". 
Que nome tem este ópio? 
- Chama-se "crédito".
É claro que o crédito não tem mal, tal como o ópio pode servir como medicação.
O problema está, é claro, no seu consumo indiscriminado, e na sua dependência.
O desgraçado que nasce malfadado numa realidade agreste, vê no crédito a possibilidade de antecipar no presente uma realidade que só poderia ter no futuro.
É claro que este desejo de riqueza imediata também se verifica noutro aspecto - o jogo.

Porém, voltemos ao crédito.
O crédito é uma porta rápida para tornar realidade velhos sonhos, e não oferece problema até ao momento em que é cobrado. O contrato protege o indivíduo da cobrança antecipada, mas há outra forma de enredar o vício - vários créditos e uma perspectiva favorável de futuro. Quando a situação passa a ser gerida no limite, como se o futuro fosse sempre risonho, qualquer falha traz o caos, e os futuros azuis passam a realidades vermelhas.
Poderia pensar-se que quem gere os créditos é quem fabrica os tijolos que consolidam os sonhos.
Poderia ser, mas normalmente não é.

Passamos ao problema mais acima, onde uns Estados acumulam dívidas e outros créditos.
Não são as formigas que negoceiam directamente com as cigarras.
Entre a formiga e a cigarra está um banco, ou instituição de crédito.
Porquê? Porque quem gere o negócio não quer ter perdas.
Se as cigarras não pagam, quem sofre o débito são as formigas. Quem está pelo meio, apenas tem que gerir a credibilidade da fábula de Esopo, fazendo de uns formigas e dos outros cigarras. Tirando algumas excepções, são todos formigas, e as verdadeiras cigarras controlam a narrativa, controlando a comunicação social e a gestão do mercado de sonhos.

Assim, quando o BCE anunciou a compra de dívida dos estados, apenas estava a dourar uma pílula azul de maior quantidade, pronta a lançar mais crédito, pronta a financiar mais sonhos, para que as formigas pintadas de cigarras, e as cigarras pintadas de formigas, continuassem a bancar a fábula.

Ora, o Syriza até pode cantar de alto, como uma cigarra, e dizer que simplesmente não tem que pagar às formigas pintadas de cigarras... mas será que está pronto a engolir a pílula vermelha e entrar no mundo das formigas ameaçadas por um simples espezinhar? Será que conseguirá convencer as suas cigarras a tornarem-se formigas? 
Muito depende do pé que está sobre as formigas chinesas e das cigarras pintadas de formigas alemãs.
Enquanto todos alinharem no jogo dos negociantes da fábula, do dinheiro fabricado pela imaginação perversa, todos saem a perder. Nem é preciso nomear quem gere o jogo, apenas interessa conhecer que a aplicação das suas regras é judiciosa.

Tsipras surpreendeu-me ao passar o tema "London Calling", dos Clash, no seu comício de vitória.
Ficamos à espera para saber se esta Nike terá a elegância da de Samotrácia, ou ficará apenas notada pela falta de cabeça.
London Calling - The Clash

London calling to the faraway towns, Now war is declared and battle come down
London calling to the underworld, Come out of the cover, you boys and girls

London calling, now don't look at us, 
Phony Beatlemania has bitten the dust
London calling, see we ain't got no swing, Except for the reign of that truncheon thing

The ice age is coming, the sun's zooming in, 
Meltdown expected, the wheat is growing thin
Engines stop running but I have no fear, Because London is drowning and I live by the river

London calling to the imitation zone, 
Forget it brother, you can go at it alone
London calling to the zombies of death, Quit holding out and draw another breath

London calling and I don't wanna shout, 
But while we were talking I saw you nodding out
London calling, see we ain't got no high, Except for that one with the yellowy eyes

The ice age is coming, the sun's zooming in, 
Engines stop running, the wheat is growing thin
A nuclear error but I have no fear, Because London is drowning and I, I live by the river

Now get this, London calling, yes, I was there too, And you know what they said? Well, some of it was true, 
London calling at the top of the dial, And after all this, won't you give me a smile? London Calling

I never felt so much alike, alike, alike....

Joe Strummer, o líder mítico dos Clash, viu-se depois em carreira a solo, tocando temas antigos, acompanhado dos Mescaleros, e queixando-se a uma multidão alemã (alheada...) de que em Londres era pior, a assistência nem perto do palco estava. 
Citando-o apropriadamente :
Rock into this, please, Mein Herren...

Straight to Hell - Joe Strummer and the Mescaleros

I have got the shoe... Cinderella!

Sem comentários:

Enviar um comentário