sábado, 20 de fevereiro de 2016

Nebulosidades auditivas (31)

eco da rosa ...


Pink Floyd Echoes - Live at Pompei (1972)



Echo and the Bunnymen - The Killing Moon (1984)

Umberto Eco (1932-2016)

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2016

Os pássaros (4) de Aristófanes

Nesta fase, Aristófanes procede à nomeação da cidade dos pássaros, como "Nefelococugia", e opto por não escrever "Nephelococygia", já que a transliteração do upsilon como ipsilon, é mudar o som "u" para o som "i". É tradicional, mas é propositadamente errada. Em inglês, é usado opcionalmente o termo "cloud cuckoo land", que se refere a uma utópica "terra do nunca" nas nuvens (nefelo).
Também, como resultado da má transliteração dizemos cócix (para o osso), saindo de cocyx, e do abandono do ipsilon na escrita portuguesa, quando do grego se deveria desde logo ter escrito cocux ou ainda mais correctamente, cocus, para o nome grego desse osso. Assim, a composição do nome relaciona o termo "nefelo" ligado a nuvem, com o termo "cocygia" ligado ao cócix.

Interessante é a ligação do esparto a Esparta... que é feita pelo próprio Aristófanes.
Distribuição geográfica do esparto.
Interessante, pois esparto (stipa tenacissima) é uma planta típica da região ibérica e moura, e assim bastante afastada da sua relacionada cidade grega. 
O esparto foi desde há muito usado na produção de diversos artigos, como cordas, cestos, ou até alpargatas, e conforme é mencionado na wikipedia, há registo do uso diverso do esparto na Caverna dos Murcielagos que datam de há 7000 anos. Seria, por exemplo, usado para fazer tapetes pelos iberos, enquanto os gregos e romanos o importariam para fazer cordas de navios.
A planta tendo essa particularidade de se dar apenas numa zona muito restrita, cresce aí selvagem de forma abundante, como vemos nos nossos campos. 
As múltiplas possibilidades de uso do esparto (chamado "atocha" em Espanha), fazem mesmo uma certa cultura de auto-suficiência com os diversos uso desse matéria, versátil, mas pouco confortável. Tudo isso condiz com uma certa "cultura espartana", que depois se viu implantada em Esparta.
Sendo apenas coincidência(!), Aristófanes aproveitou para usá-la na sua peça... e se ele sabia da distribuição geográfica particular dessa planta, pois isso é uma questão mais complicada.

Ainda relativamente a Nefelococugia, diversos comentadores vieram a identificar tal realização, de colocar uma barreira entre homens e deuses, feita pelas aves, como o projecto ateniense colocado na Sicília. E se a Sicília estava no meio, seria o meio entre a Grécia, e outro sítio qualquer... que estaria a Ocidente!

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As Aves 
(de Aristófanes)


continuação de (3) , (2) , (1)
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Pistétero e Euelpide regressam, agora com asas.

PistéteroOlá! O que é isto? Por Zeus, nunca vi nada tão engraçado!
EuelpideO que te faz rir?
Pistétero: As tuas pequenas asas. Sabes a que pareces? Um esboço de um ganso!
EuelpideE tu pareces um melro, com a cabeça depenada!
PistéteroNós pedimos esta transformação, e como diz Ésquilo: "Não são penas emprestadas, são as nossas penas!"
O esparto (stipa tenacissima)
encontra-se na Ibéria e Marrocos
EuelpideO que falta fazer?
PistéteroPrimeiro daremos à nossa cidade um nome grandioso, e depois sacrificaremos aos deuses.
Euelpide: Concordo.

Poupa: Que nome daremos à nossa cidade?
PistéteroQuereis que esse grande nome se inspire na Lacónia? Devemos dar-lhe o nome de Esparta?
Euelpide: Por Héracles! Chamar Esparta à minha cidade? Eu nunca usaria esparto na minha cama.
PistéteroEntão que nome sugeres?
Euelpide: Um nome inspirado nas nuvens e nas regiões etéreas, algo bem conhecido.

Pistétero: Gostam de Nefelococugia?
Poupa: Oh! Excelente nome! Um pensamento brilhante!

Euelpide: Nephelococcygia é lá onde está toda a riqueza de Theogenes 
e a maior parte de Aeschines?

Pistétero: Não, é mais a planície de Phlegra, onde os deuses apagaram o rasto do orgulho dos filhos da Terra.

Euelpide: Oh! Uma cidade esplêndida! Mas que deus será o patrono? Para quem teceremos o peplos?
PistéteroPor que não Atena Polias?
Euelpide: Oh! Uma cidade bem policiada por uma divindade feminina armada da cabeça aos pés, enquanto Cleisthenes fiava no tear!

Pistétero: Quem então deve guardar o Pelargicon?
Poupa: Um pássaro de estirpe persa, que em toda parte é proclamado o mais bravo de todos, um verdadeiro pintainho de Ares.
Euelpide: Oh! Pintainho nobre, é um deus bem adaptado para viver nos rochedos.
Pistétero: Vem, tu! Voa para ajudar os trabalhadores que estão construindo a parede; transporta os escombros, despe-te para misturar argamassa, cai da escada, se quiseres, coloca sentinelas, mantém o fogo latente sob as cinzas, faz a ronda de sino na mão, e adormece aqui; então despachas dois arautos, um acima para os deuses, outro abaixo para a humanidade, e depois volta aqui.

Euelpide: Quanto a ti, fica aqui, e possa uma praga levar-te! (Afasta-se.)
Pistétero: Vá, amigo. Vá para onde o mando, pois sem si minhas ordens não podem ser obedecidas. Quanto a mim, quero sacrificar ao novo deus, e irei chamar o sacerdote que deve presidir à cerimónia. Escravos! escravos! Tragam a cesta e a bacia.

Coro (cantando) Eu faço como fizer, eu desejo o que quiser, e imploro-o a enviar orações poderosas e solenes aos deuses, imolando uma vítima como símbolo de nossa gratidão. Vamos cantar a Pítiacantar em honra do deus, e que Chaeris acompanhe as nossas vozes.

Pistétero (para o tocador de flauta): Chega! Por Herácles, o que é isso? Eu já vi muitas coisas prodigiosas, mas eu nunca vi um corvo amordaçado. 
(para o Sacerdote, que chega) Sacerdote, é chegada a hora! Sacrifício para os novos deuses.

Sacerdote: Começo, mas onde está o homem com a cesta? Ore à Héstia das aves, o milhafre, que preside à lareira, e a todos deuses e deusas - pássaros que habitam o Olimpo...
Pistétero: Oh! Falcão, o guardião sagrado de Sunium, oh, deus pelágico das cegonhas!
Sacerdote: Para o cisne de Delos, para Leto, a mãe das codornizes, e para Artemis, pintassilgo (acalanthide)...
Pistétero: Não há mais Artemis Colaenis, do rei Colaenus, mas sim Artemis Acalanthide, do pintassilgo.
Sacerdote:  A Sabazios, o tentilhão, e a Cibele, a avestruz, mãe dos deuses e a humanidade ...
Pistétero: Oh! avestruz soberana Cibele, mãe de Cleocritus!
Sacerdote: ... para conceder saúde e segurança aos Nefelococugianos, como aos moradores em Quios ...
Pistétero: Os moradores de Chios! Ah! Estou muito contente que deveriam assim ser mencionados em todas as ocasiões.
Sacerdote... para os heróis, os pássaros, para os filhos de heróis, a Porfírio, o pelicano... a perdiz, o pavão, a coruja, o pato, a garça, o albatroz, a sombria, o chapim ...
Pistétero: Pare! Pare! Deixa-me louco com a sua lista interminável. Desgraçado, a que festa sagrada está convidando abutres e águias marinhas? Não vê que um único milhafre poderia facilmente levar todos de uma só vez? Afasta-te de nós todos; eu saberei como completar o sacrifício por mim. 
Sacerdote: É imperativo que eu cante outro hino sagrado para o rito da água benta, onde invoco os imortais, ou pelo menos um deles, desde que haja um pouco de comida adequada à oferta; mas pelo que vejo aqui, na forma de presentes, só há pêlos e cornos...

(Chega um poeta)
Pistétero: Enderecemos os nossos sacrifícios e orações aos deuses alados. 
Poeta: Oh, musa! Celebremos em hinos a feliz Nefelococugia.
Pistétero: O que temos aqui? De onde você veio?, diga-me. Quem é você?
Poeta: Sou um cantor de hinos, cuja língua é mais doce que o mel, um zeloso servo das musas, como dizia Homero.
Pistétero: Ou seja, é um escravo... e ainda usa o cabelo longo?
Poeta: Não, mas segundo Homero todos os poetas são zelosos servos das Musas.

Pistétero: Na verdade o seu zelo no manto roto é bastante sagrado!... mas, que mau vento o trouxe?
Poeta: Compus versos em honra de Nefelococugia, uma esplêndida série de ditirambos e de parténias dignas de Simonides.
Pistétero: E quando compôs isso? Há quanto tempo?
Poeta:  Oh, há muito tempo, sim, há muito tempo, que eu canto em honra desta cidade.
Pistétero: Mas estamos comemorando agora a sua fundação com este sacrifício. Venho de a baptizar.
Poeta: A palavra das Musas é rápida, voa como os mensageiros. Oh! tu nobre fundador da cidade de Aetna, tu, cujo nome recorda os sacrifícios sagrados, faz-nos esse dom como o teu coração generoso sugere. (Estende a mão.)
Pistétero: Este maldito poeta vai-nos dar música se não nos livrarmos dele com algum presente. (Para o acólito do sacerdote) Você, que tem uma pele sobre a túnica, tire-a! Vamos dá-la ao hábil poeta. (Para o poeta) Venha, tome esta pele; está a olhar para mim tremendo de frio.
Poeta: A minha Musa vai aceitar de bom grado este presente... mas escute estes versos de Píndaro.
Pistétero: Oh! Que é uma praga! É impossível livrar-nos dele...
Poeta:  Por entre os nómadas citas vagueia Straton, que nem tem uma veste ligeira para se cobrir. Ele parte sem glória, vestindo apenas a pele de um animal, sem uma túnica. Entende-me?
Pistétero: Entendi que quer uma túnica. (Para o acólito) Tire a sua, devemos ajudar os poetas .... (Para o poeta) Você, agarre na túnica e saia.
Poeta: Eu vou, e eis os versos com que me dirijo a esta cidade: "Febo do trono de ouro, celebra esta cidade enregelada; viajarei pela planície frutífera e congelada. Tra la la! Tralala! " (Afasta-se.)
Pistétero: O que você está-nos a cantar sobre geadas? Dê graças à túnica, não devia queixar-se. Ah! por Zeus! Eu não acredito como este homem amaldiçoado poderia tão cedo conhecer o caminho para a nossa cidade. (Para um escravo) Venha, tome a água benta e circunde o altar. 
Sacerdote: Vamos manter o silêncio! 

(Entra um cresmólogo - recitador de oráculos.)

Oráculo: Não deixem a cabra ser sacrificada.
PistéteroQuem é você?
Oráculo: Quem sou eu? Um recitador de oráculos.
PistéteroFora!
Oráculo: Homem miserável, não insulte o sagrado. Porque há um oráculo de Bacis, que se aplica exactamente a Nefelococugia.
Pistétero: Por que não o revelou antes de fundar a minha cidade?
Oráculo: O espírito divino era contra.
Pistétero: Bom, acho que não há nada a fazer senão ouvir os termos desse oráculo.
Oráculo: "Mas quando os lobos e os velhos corvos habitarem em conjunto entre Corinto e Sicião ... "
Pistétero: Mas o que têm os Corintíos a ver comigo?
Oráculo: Deste modo Bacis designa as regiões do ar. "Devem primeiro sacrificar a Pandora uma cabra de tosão branco, e ao profeta que primeiro revelar tais palavras deveis dar uma boa capa e novas sandálias."
Pistétero: Diz aí sandálias?
Oráculo: Olhe para o papiro. "E além disso uma taça de vinho e uma boa parte das entranhas da vítima ".
Pistétero: Das entranhas diz-se o quê?
Oráculo: Olhe para o papiro. "Se fizer o que eu digo, jovem divino, será uma águia entre as nuvens; se não, não será nem rola, nem águia, nem pica-pau."
Pistétero: Diz tudo isso?
Oráculo: Olhe para o livro.
Pistétero: Este oráculo não se assemelha de forma alguma àquele a quem Apolo ditou: "Se um impostor irritar durante um sacrifício, e exigir uma parte da vítima, aplique-lhe nesse instante uma vara nas costelas".
Oráculo: Estás a divagar...
Pistétero: Olhe para o papiro. "E não o poupe, mesmo sendo uma águia vinda das nuvens, seja o próprio Lampon ou o grande Diopithes".
Oráculo: Diz isso?
Pistétero: Olhe para o papiro... e desapareça.
Oráculo: Oh! infeliz miserável que eu sou. (Afasta-se.)
Pistétero: Desaparece com as tuas profecias para outros lugares. 

(continua)