domingo, 26 de junho de 2016

Nebulosidades auditivas (38)

Referi antes o vídeo Language is a Virus, de Laurie Anderson, que remete para uma frase do escritor americano William Burroughs - "A linguagem é um vírus, do espaço exterior", a que terá dado importância Philip K. Dick, conforme abordado neste link. Curiosamente, isto acaba por ser uma forma bastante diversa de chegar a conclusões sobre linguagem que fui aqui partilhando (por exemplo, associando a linguagem a um novo código genético que foi transmitido entre humanos). 
No entanto, a linguagem é muito mais que uma suspeita de invasão alienígena. A linguagem, não tem a ver com a língua em que se manifesta, mas sim com as noções comuns a todas as linguagens. Correligiona homens para o mundo de ideias abstractas, que não tendo outro espaço de disputa que não seja o espaço abstracto de ideias nas cabeças humanas, saem de um espaço abstracto para se manifestarem no nosso espaço físico. Mas não vou repetir algo que já escrevi de diversas formas - por exemplo aqui.

Sou um fã de Laurie Anderson, especialmente desde o álbum Mister Heartbreak, mas interessou-me trazer aqui alguns temas de um álbum posterior The ugly one with the jewels, que começa com esta história sobre a sua avó, uma baptista missionária que anunciava o "fim do mundo". Afinal, convém não esquecer que já sobrevivemos a dois "fins do mundo" (31/12/1999 e 21/12/2012), supostamente previstos há séculos ou milénios atrás.
Laurie Andersen - "The End of the World"
Ladies and gentlemen, please welcome back to London, Laurie Anderson.
Hi. This evening I'll be reading from a book I just finished and since a lot of it is about the future, I'm going to start more or less on the last page, and tell you about my grandmother. Now, she was a Southern Baptist Holy Ruler and she had a very clear idea about the future, and of how the world would end.

In fire. In fire. Like in Revelations. Like in Revelations.

And when I was ten, my grandmother told me the world would end in a year. So I spent the whole year praying and reading the Bible and alienating all my friends and relatives. And finally the big day came. And absolutely nothing happened. Just another day.
Ooooaaaah!
Now, my grandmother was a missionary and she had heard that the largest religion in the world was Buddhism. So she decided to go to Japan, to convert Buddhists.
And to inform them about the end of the world. And to inform them about the end of the world.
And she didn't speak Japanese. So she tried to convert them with a combination of hand gestures, sign language and hymns, in English.
Ooooaaaah!
The Japanese had absolutely no idea what she was trying to get at. And when she got back to the United States she was still talking about the end of the world. And I remember the day she died. She was very excited. She was like a small bird perched on the edge of her bed near the window in the hospital. Waiting to die. And she was wearing these pink nightgowns and combing her hair, so she'd look pretty for the big moment when Christ came to get her.
Ooooaaaah!
And she wasn't afraid but then, just at the very last minute something happened that changed everything. Because suddenly, at the very last minute she panicked. After a whole life of praying and predicting the end of the world, she panicked. And she panicked because she couldn't decide whether or not to wear a hat.
Ooooaaaah!
And so when she died she went into the future in a panic, with absolutely no idea of what would be next.
Interessou-me trazer esta história, porque revela bem o desconforto de uma pessoa segura nas suas ideias, no seu modelo idealizado, mas sem saber porquê, ou sequer atender à verificação de que as suas anteriores previsões falhavam. O pânico final da avó, no leito de morte, sem saber se haveria de receber Cristo com ou sem chapéu, é ilustrativo de uma crença arbitrária, baseada em pouco mais do que convicções comunitárias, resultantes de tradições. As tradições e convicções sociais podem oferecer um conforto numa comunidade, mas quando se embarca na última viagem solitária, a experiência é individual, e só ficam as certezas individuais, sem o conforto da chancela comunitária.

Laurie Andersen "recalls The End of the World" - entrevista NFFA
(música/relato - The Geographic North Pole)

Neste outro vídeo, numa entrevista a um movimento anti-nuclear, Laurie Anderson relata uma experiência que teve em 1974, quando decidiu ir à boleia até ao Pólo Norte... mas como isso é vedado ao cidadão normal, acabou por se contentar em deslocar-se apenas até ao Pólo Norte magnético.
Tendo sido surpreendida por uma Aurora Boreal, terá considerado a hipótese, então habitual em tempo de Guerra Fria, de ter ocorrido um holocausto nuclear, da qual seria a única sobrevivente. Concluindo, como só conclui quem pensa verdadeiramente no assunto, sobre o pânico que seria estar completamente sozinha. Porque, estar sozinho não é afastar-se dos outros... é procurar os outros ao ponto de perder a esperança de os encontrar. E só perante essa perspectiva é que se dá verdadeiro valor ao outro, e à forma de comunicação que podemos ter... a linguagem.
Laurie Andersen - "Same Time Tomorrow" - World Without End

Mas há algo pior... quando não nos apercebemos de que nos alimentamos do desconhecido, ou do nosso interesse por ele.
Na ânsia de tudo controlar, de tudo dominar, no fundo para terminar com o medo do desconhecido, não nos lembramos que chegados ao ponto de nada nos surpreender, perdemos esse alimento.
Com uma grande, enorme, incomensurável, diferença... se podemos combater a falta de conhecimento, conhecendo mais; não podemos combater o excesso de conhecimento, porque não conseguimos deixar de saber o que sabemos. E é quando sabemos demais, e percebemos que não queríamos saber tanto, ao ponto de perder o interesse por novo conhecimento, quando já não nos conseguimos alimentar da surpresa do desconhecido, só aí é que percebemos como é também importante o esquecimento.

1 comentário:

  1. Ainda em relação ao 9/11, olhando para a letra de "O Superman", atente-se neste pequeno detalhe da letra:


    Hello?
    Is anybody home?
    Well, you don't know me, but I know you.
    And I've got a message to give to you.
    Here come the planes.
    So you better get ready.
    Ready to go.
    You can come as you are, but pay as you go.
    Pay as you go.
    And I said: OK.
    Who is this really?
    And the voice said: This is the hand, the hand that takes.
    This is the hand, the hand that takes.
    This is the hand, the hand that takes.
    Here come the planes.
    They're American planes.
    Made in America.
    Smoking or non-smoking?


    Smoking! Ou como, um certo David Rodwin escreveu num comentário ao vídeo no Youtube:

    One of the most powerful tracks ever recorded. And so prophetic.
    Heard her play it live after 9/11.
    Haunting.
    "Here come the planes... They're American planes."


    E não sei se o mesmo David Rodwin teria reparado no 911 que aparece no vídeo "Language is a Virus", tornando talvez ainda mais estranha essa circunstância.

    Because when love is gone, there's always justice.
    And when justive is gone, there's always force.
    And when force is gone, there's always Mom.
    Hi Mom!
    So hold me, Mom, in your long arms.

    ...

    So hold me, Mom, in your long arms.
    In your automatic arms.
    Your electronic arms.
    In your arms.
    So hold me, Mom, in your long arms.
    Your petrochemical arms.
    Your military arms.
    In your electronic arms.


    E lendo isto, poderia entender-se uma mensagem tão literal, que se diria encomendada, por "petrochemical arms" ou "military arms".



    Sharkey's night

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