sábado, 24 de junho de 2017

As chamas e as chamadas

Um amigo brasileiro disse-me um dia: "não é possível distinguir a corrupção da incompetência".
A frase deixou-me momentaneamente surpreendido, porque em Portugal há o hábito de culpabilizar a corrupção e desculpar a incompetência. Ele simplesmente acrescentou que no Brasil a situação tinha atingido tais proporções, que tinha ficado claro que era impossível distinguir uma coisa da outra. 
Os sujeitos que entregam 500 milhões de euros do estado, em troca de um sistema de comunicações de emergência cujas chamadas dependem das chamas (do fogo queimar ou não os postes de ligação), mesmo que se tentem fazer passar por idiotas, nunca poderiam deixar de ser acusados de corrupção. 
Mesmo que os idiotas mostrem que não usufruíram de nenhuma compensação, e que nem passaram a ter amigos a emprestar-lhes milhões de euros, um idiota é corrupto ao aceitar tomar decisões contra a mais básica evidência, por muito que invoque pareceres de "peritos", contra o interesse do estado.
Tais idiotas teriam alguma competência, talvez, para ajudar a limpar as matas...

Porém seria injusto isolar o contexto, e não ver o panorama global.
Uma parte do panorama global é mais ou menos ilustrado no filme Goodfellas (1990):

... onde, depois da introdução dos membros do gang, se explicita a filosofia subjacente:
For us to live any other way was nuts. To us, those goody-good people who worked shitty jobs for paychecks and took the subway to work every day and worried about their bills were dead. I mean they were suckers. They had no balls. If we wanted something, we just took it. If anyone complained twice they got hit so bad, believe me, they never complained again.
E é basicamente isto que temos! Os actores de confiança não são muitos... não pela falta de candidatos, mas muito mais pela falta de confiança, e porque o bolo ficaria pequeno sendo dividido com demasiados.
Usando nomes dos "wiseguys", o Nicky Eyes tanto poderia ser secretário de estado da saúde, como depois ser nomeado para administrador de uma construtora civil. O Fat Andy poderia ser CEO de uma empresa nutricionista, depois ministro do desporto, e de seguida regressar à mesma empresa, garantindo pelo meio contratos de alimentação às federações desportivas, etc.

No meio de tal compadrio, e opulência vista de fora, os rapazitos sonham um dia pertencer à pandilha. E entrando, ficam demasiado emocionados com a admissão, para questionar o funcionamento. Se lhes derem um papel para assinar, eles assinam... todos sabem disso, afinal é assim que funciona, e pronto. E os rapazitos contam com apoio, com os pareceres certos, com prémios, se alinharem, porque a malta os apoiará se a coisa der para o torto... mas também devem saber que podem ser sacrificados se a coisa der para o muito torto.

Não se trata aqui de estabelecer quaisquer relações directas com aristocracias, maçonarias, judiarias, máfias ou partidos. O compadrio funciona habitualmente, quando se subentende uma relação de confiança suficientemente grande e estável entre os membros. Por isso, durante muito tempo, a aristocracia que se aproveitava do povo, tentava manter e fortalecer relações familiares, a bem da união do grupo. Quem detinha o poder podia fazer tudo, e os restantes, a populaça, eram apenas vistos como imbecis, alimárias, enredados pela obediência à teia social. O sistema tendia a preservar-se e perpetuar-se, porque as famílias que já estavam instaladas usufruíam da vantagem de deterem o poder, beneficiando por isso da deferência dos restantes. As aparentemente profundas revoluções sociais, em pouco afectaram as relações de poder já existentes, numa lógica "do mudar tudo, para tudo ficar na mesma".

Tal como os sicilianos nos demonstraram, a partir do Séc. XIX, este tipo de controlo local pode ter ramificações globais, instalando-se na imigração que partiu para os EUA durante esse século. 
Mas esse é apenas um exemplo, que estabelece um poder paralelo ao estado, sendo visto como ilegal, e desafiando o poder da lei italiana. Num nível mais sofisticado, a actuação não é ilegal, já que seriam os próprios a fazer a lei à sua medida.

Mesmo assim, dificilmente o topo da cadeia de poder termina em alguém conhecido. O poder sendo visível, revela o alvo, preferindo por isso esconder-se em bastidores de influência, e usar actores conhecidos para aparecerem em sua substituição. Ou seja, organizações mais ou menos conhecidas, como a maçonaria, com os seus rituais e fantasias, servem apenas como uma porta de entrada para um mundo menos visível. Não encerram nada de substancialmente misterioso, nas suas tradições anacrónicas. As tradições, os rituais, as cerimónias, servem muito mais para manter uma aura misteriosa que remete a um poder maior, vindo de tempos imemoriais. Celebrações de mascarilhas, que lembram os tempos dos druidas, não servem para reunir grupos operacionais, mas podem servir para fidelizar os membros, e fazer entender que há poderes maiores, que os ultrapassam.
Uma operacionalidade efectiva, nos tempos que correm, assenta muito mais no campo das comunicações, e será entre grupos de hackers que se recrutam operacionais que permitem implementar políticas, e controlar a informação. Será também entre grupos de marketing e publicitários que se procuram definir programações e manipulações de opinião. Uma associação como a maçonaria serve muito mais para juntar diversas competências distintas dentro de um mesmo contexto, dentro de um mesmo grupo, facilitando o contacto operacional. 

Bom, e tudo isto para quê? - Basicamente, para definir um grupo com controlo sobre a restante população que pode, dentro de poucas restrições, fazer basicamente tudo o que entender. 
Claro que uns utilizam a estrutura para proveito próprio, e esse será o grande aliciante... mas o pretexto será definir o rumo da civilização ocidental, para a manter com predominância global.
Portanto, por um lado, haverá as guerras entre famílias para partilha do bolo, mas o ponto que deixará as cisões mais profundas será na definição do rumo a seguir... coisa que tem gestão simples, no processo de manter tudo como está, ou até em regredir, e que será muito mais complicado na definição de alguma evolução social, como aconteceu desde os Descobrimentos, e em especial na transformação liberal que ocorreu especialmente a partir do Séc. XIX, até à 2ª Guerra Mundial, ao libertar a maioria dos cidadãos da prisão feudal.

O equilíbrio pretendido será manter uma pequena percentagem de predadores para um enorme número de presas. Mas esse sistema só seria estável se a natureza de uns e outros não fosse flexível à mudança. No caso de predadores e presas é a própria natureza que define a condição do corpo, ao passo que a condição da mente sofre mutações apreciáveis, e não há propriamente um problema de estômago em passar de presa a predador, o único estômago que muda é o da disposição moral para perder os escrúpulos. 

domingo, 18 de junho de 2017

A tragédia florestal agravada

Com temperaturas anormalmente quentes para Junho, o incêndio que se estendeu pelos três concelhos orientais do distrito de Leiria - Figueiró dos Vinhos, Pedrogão Grande e até Castanheira de Pêra, teve já um número de vítimas inaudito - 19 mortos (que entretanto passaram a 24), tendo 16 vítimas perecido nas viaturas, no troço do IC8 entre Figueiró dos Vinhos e Pedrogão Grande. 
O presidente da câmara de Pedrogão avançava desde logo uma estimativa muito pior, devido à falta de contacto com aldeias apanhadas no percurso do incêndio, podendo a tragédia atingir dimensões de catástrofe nacional, com o desaparecimento de povoações.
 

A situação de 16 vítimas serem meros automobilistas, apanhados na passagem do fogo por uma grande via de comunicação, mostra que a situação saiu completamente fora do controlo dos responsáveis pela Protecção Civil, Bombeiros, GNR, etc... 
Independentemente da presença no local do secretário de estado, da ministra, e até do presidente da república, não se pode falar em "dificuldade de acesso" ao IC8, pelo menos precavendo que estivesse interrompida a circulação perante a proximidade da passagem do incêndio.
A concentração dos meios de socorro ter ficado a cargo do comando da Protecção Civil (com meios tecnológicos sem par, face a décadas anteriores), em nada parece ter aumentado a eficácia do combate a incêndios... e cada vez mais se refere o negócio do eucalipto, o negócio dos incêndios, e o negócio do seu combate por meios aéreos privados, tornando Portugal num país onde se constata arder mais floresta do que no resto da Europa:

No entanto, apesar destas constatações, uma conjugação do empenho dos bombeiros, do voluntariado, de uma capacidade de lutar em circunstâncias adversas, e de alguma sorte, tinham evitado até aqui um pior cenário... A tudo isto se juntou uma certa resignação das populações ao fado sazonal dos incêndios, que se presumem ser, na sua maior parte, resultado de acção criminosa. Ou então, no habitual processo de remeter a culpa para o cidadão - pela falta de cuidado na limpeza do mato.
Tudo isto pressupunha até aqui... um número de vítimas pequeno, quase sempre bombeiros, e onde com sorte se conseguiam salvar as casas e os civis. Todos esses pressupostos foram hoje abalados.

Com a barragem do Cabril anexa a Pedrogão Grande, nem sequer se poderia falar de dificuldade em abastecer meios aéreos para o combate ao incêndio... se os houvesse, e se não estivessem apenas alguns contratados para um Verão, que ainda nem começou!
Se é um escândalo mundial, Donald Trump não reconhecer o perigo de "aquecimento global", não será maior escândalo esperar que a época de incêndios tenha início em data fixa, esquecendo até os avisos de subida térmica, em particular nesta semana?

Quando a presidência da república tenta minimizar a imagem governativa, fazendo crer que pouco mais poderia ser feito... reconhece uma completa incompetência para agir diligentemente perante uma ameaça sistemática e generalizada, que se verifica todos os anos, e que só foi diferente agora no resultado em número de vítimas.
A responsabilidade deixa de ser de quem coordena os meios ao dispor, e parece passar a ser das populações que vivem em "zonas de risco", e agora até "circulam em risco" (como o inqualificável presidente dos bombeiros tentou descartar). Chega-se ao ponto mínimo do governo, que é o desgoverno, acomodando-se em palavras de lamento e remetendo o desfecho para "situações excepcionais". 
Escusado será pensar que o que é excepcional é a convivência, todos os anos, com incêndios que chegam a consumir metade da área ardida na UE, e que a inoperância governativa em resolver o assunto nem tão pouco pode ser classificada como mera corrupção passiva, é um assunto de completa inoperância da defesa nacional, onde as forças armadas nem cuidam da integridade e segurança da população em território nacional.
A simples constatação que emerge desta tragédia, é que circular, mesmo nas maiores estradas nacionais, passou a ter o risco acrescido de ser apanhado por um incêndio, quando a estratégia nacional de combate a incêndios parece ser uma conformação com um "deixa arder".


Aditamento (às 22h00)
Como todo o país acabou por saber, ao longo do dia, o número de vítimas foi aumentando até se cifrar em 61 mortos e 62 feridos, em especial devido às 30 vítimas apanhadas pelo fogo na EN236.

A atribuição do fogo ter origem natural, numa "trovoada seca", não deixa ninguém mais descansado, pelo contrário... o incêndio foi declarado às 14h00 e só no final da noite, passadas 8 horas, a protecção civil deu conta da dimensão da tragédia. Durante esse espaço de tempo, a reacção dos meios, perante a "rapidez" dos acontecimentos, foi de uma lentidão trágica. Simplesmente as pessoas ficaram cercadas por chamas, fugiram sem ter nenhuma informação, sem terem nenhum apoio, sem saber se iam numa direcção pior ou melhor. Tudo foi deixado ao acaso... e continua a tentar-se fazer passar a ideia de que foi feito o melhor possível - talvez tenha sido o melhor, dentro da incompetência, que continua a funcionar hoje com lógicas de processos usados há 50 anos. Pior que isso, até com simples rádios de pilhas, seria possível manter as pessoas informadas, sobre a evolução dos incêndios, sobre as estradas que estariam ou não sob ameaça... mas isso seria num estado em que a informação não fosse tratada como um segredo vedado à população!
O resultado de se conseguirem cunhas para empregos e cargos políticos na função pública, não se vê nas suas consequências imediatas, é medido pela inoperacionalidade efectiva, por não se poder contar com nada, nem com ninguém, nas situações de emergência. 
Evitando assumir incompetência, a situação adquire outros nomes - imprevisibilidade, excepcionalidade, etc, etc.

Nota adicional (23-06-2017)
As informações iniciais apontavam para o troço da IC8, só depois se passou a falar exclusivamente da EN-236-1. 
De acordo com testemunhos vistos, a situação foi tão singular que a GNR desviou condutores do IC8, que tinha vedado (devido ao incêndio), para a EN-236-1, levando-os a enfrentar uma situação tenebrosa, de onde 47 não escaparam vivos. 
O número de crianças mortas e feridas é significativo, mas os registos de fatalidades falam apenas de 64 mortos e 247 feridos, deixando praticamente claro que a ausência de comunicações do sistema SIRESP, que durou ali praticamente um dia, terá sido a principal razão da desinformação entre os diversos agentes no terreno, elevando o número de vítimas para valores nunca antes registados.
Que o sistema SIRESP funciona muito pior que uma rede de telemóveis, e tinha sido mais uma negociata da politiquice nacional, envolvendo o BPN, está documentado numa antiga reportagem da TVI de Ana Leal:
e envolverá uma boa parte dos políticos do regime, não escapando o primeiro-ministro António Costa, que enquanto ministro de Sócrates, foi quem o introduziu no Estado. 
Pode ver-se na reportagem como os Açores, usando da sua autonomia regional, prescindiram de tal elefante branco, que ao usar cabos de transmissão fica inoperante em qualquer incêndio que consuma os postes e os fios. Vê-se na entrevista o secretário de estado a procurar coagir o governo dos Açores a adoptar o sistema, responsabilizando-o em caso de inoperância, numa calamidade. Pois bem, a inoperância em caso de calamidade ocorreu diversas vezes com o SIRESP, e onde fica a responsabilidade? 
A factura da corrupção BPN, já foi paga em milhares de milhões de euros, chegou agora ao ponto de ser cobrada em dezenas de vidas humanas, e esta sociedade domesticada, mais dócil que um cabrito pascal, continuará passiva?
Parece que sim. Falhando o F de Fátima, por ausência de milagre para as vítimas, devem rezar os políticos ao CR7 para que funcione agora o F do futebol, naquele campeonato lá pelas bandas da Rússia, enquanto o pessoal não esquece. 


sábado, 17 de junho de 2017

O incêndio de Londres

O incêndio ocorrido na madrugada de 14 de Junho, na Torre Grenfell, em Londres, é mais uma situação de grande tragédia que ocorre numa Inglaterra especialmente afectada nestes últimos dois meses.
Perante as imagens da rápida propagação do grande incêndio, que afectou a torre de 24 andares, houve quem questionasse se o prédio iria resistir estruturalmente, talvez por influência de informação errónea, propagandeada como causa de colapsos de estruturas de ferro - e relembramos o assunto do 9/11 que já tratámos. No entanto, mesmo com chamas de proporções gigantescas, consumindo o prédio durante quase 20 horas, também este prédio não cedeu estruturalmente.
Incêndio da Torre Grenfell em Londres (14/06/2017) após 3 ou 4 horas do início. 

De novo, os responsáveis tentaram conter a informação e minimizar a estimativa do número de mortos, inicialmente apontando para 17, depois para 30, reconhecendo só dois dias depois que o destino dos "desaparecidos", não deveria ser dissociado duma contagem final do número de vítimas mortais, ultrapassando uma centena.

Independentemente de considerações sobre a qualidade do novo revestimento, que actuou como um pavio incendiário, tudo indica que o maior número de vítimas ocorreu entre as pessoas que confiaram nas instruções da polícia, aguardando o socorro no seu apartamento, sem procurar escapar quando o incêndio podia ainda permitir uma descida, que salvou os restantes sobreviventes, mesmo dos últimos andares. 
A polícia terá seguido o manual de instruções de emergência para o edifício, sem cuidar que os pressupostos eram verificados. Apesar do prédio ter sido inspeccionado pelos bombeiros na semana anterior, estas inspecções de rotina são muitas vezes uma burocracia de assinaturas.
Facilmente as pessoas depositam a sua confiança no sistema, tanto mais quanto é complicada essa burocracia, fazendo-as crer num grande cuidado e controlo profissional. Essa confiança na polícia foi aqui testada ao ponto de irem contra o bom senso, que seria abandonar o edifício rapidamente. 

Certamente que haverá responsabilidades apuradas a posteriori, mas o sistema não quererá reconhecer responsabilidades a priori - ou seja, que os habitantes deveriam obedecer às instruções policiais, sem questionar a sua lógica, quando o bom senso indicava um caminho oposto - o caminho de se porem a salvo do progresso das chamas.

O Grande Incêndio de Londres em 1666 mudou por completo a percepção da sociedade inglesa, levando a grandes transformações na sua organização. Tratando-se este de um incêndio restrito, e reduzido a um prédio, não deixa de mostrar falhas graves, aplicáveis a tantos outros edifícios do mesmo tipo, que simplesmente não permitem o socorro a vítimas encurraladas em andares superiores, até porque as maiores escadas de bombeiros chegam apenas até 10 andares, quando outros meios não são viáveis.

terça-feira, 6 de junho de 2017

A bala da lei

É bastante mais provável alguém ser morto por um polícia do que por um terrorista... 

Esta foi a conclusão de um estudo nos EUA, que contou por base em registos oficiais, 8882 mortes pela polícia americana (supostamente mais de metade desnecessária), à data (2016) e desde o 11 de Setembro. A média ronda as 1000 mortes por ano, o que levou a que um analista tivesse dito em 2012 que era 8 vezes mais provável ser morto por um polícia, do que por um terrorista. Ou como, Snowden terá dito, era mais provável morrer pela polícia, ou até pela queda na banheira, do que por um terrorista.
No entanto, as mudanças para leis que infernizaram a vida dos cidadãos exigia um argumento persistente de medo, e uma forma eficaz de o passar - os jornais e as televisões.

No passado sábado, as televisões (SIC-N, RTP-3) interromperam a programação habitual para iniciar em directo a transmissão de mais um episódio da série de "terror". Começou a história por ser um atropelamento com feridos, e antes de qualquer notícia de mortes ou esfaqueamentos, logo toda a programação parou... o que é especialmente caricato em Portugal, que nunca teve qualquer registo terrorista, e onde o atropelamento mortal é uma tragédia constante das nossas estradas. Simplesmente foi dado o aviso noticioso internacional de que aquele caso era para reportar, e as televisões cumpriram imediatamente o seu papel obediente.

É notável que a posteriori, passados quase 3 dias sobre o incidente, contadas 7 vítimas mortais (para além dos 3 atacantes), apenas se conhece a identidade de duas delas - uma noiva canadiana atropelada, e um francês esfaqueado (ver por exemplo, Who are the victims of the London attack?). Procurei saber ontem, e os vários artigos que vi, que falavam das vítimas, faziam praticamente o mesmo - davam a história da noiva com detalhe, e ignoravam por completo o que se tinha passado com os restantes, enrolando a notícia com factóides. 

Ora, não me parece que seja muito difícil distinguir, em poucas horas, entre quem foi atropelado e quem foi esfaqueado, mas não havia informação acerca da causa da morte das restantes vítimas.
Ao contrário, havia a informação de que a polícia tinha feito uma vítima com um tiro na cabeça, e de que os agentes policiais tinham descarregado as armas sobre o local do ataque, havendo 18 feridos ainda em estado grave, sem ser especificada a causa.
Parece haver algum embaraço policial em identificar "quem foi vítima do quê"... mas é fácil distinguir ferimentos de balas, de facas, ou atropelamentos... quando os atacantes apenas teriam facas. Ao manter tudo em segredo, com cumplicidade de não inquirição pelos órgãos de informação, seria de questionar se a maior parte das vítimas não poderá ter sido causada pela própria intervenção policial... independentemente do tiroteio (relatado pela própria polícia como "tiroteio sem precedentes") ter sido mais ou menos justificado.
Não encontrei nada num sentido ou noutro, mas passando o período de 48 horas em que o caso é notícia de primeira página, entra-se numa selecção noticiosa ainda maior do que será sabido, e do que ficará por saber... e parece que este caso tem todo o aspecto de ir deixar muita coisa por saber.

sexta-feira, 2 de junho de 2017

FFF

O tripleto Fátima, Fado e Futebol, fazia os auspícios do sucesso nacional nos anos 60.
Em particular, em 13 de Maio de 1967, na altura das comemorações dos 50 anos de Fátima, ocorre a primeira visita de um Papa a Portugal, por outro lado, no Futebol, o sucesso da selecção de 1966 com o 3º lugar no campeonato do mundo, ou as vitórias do Benfica na Taça dos Campeões Europeus, emparelhavam com o Fado, no sucesso internacional de Amália Rodrigues, nas digressões de 1966 e 68, que incluíram a França e os Estados Unidos.
Também havia o Hóquei em Patins, mas como Portugal e Espanha partilhavam sucessivamente os títulos mundiais, foi modalidade que nem sequer conseguiu obter o estatuto olímpico. Os países ibéricos não percebiam que não lhes seria outorgada mais nenhuma divisão do mundo, em nenhuma modalidade. Digamos que não tiveram o bom senso de deixar à França e Inglaterra obter uns sucessivos campeonatos, para integrar a lista do elenco olímpico, e só depois dessa integração autorizada é que manifestariam a sua supremacia...

Bom, mas este tripleto FFF, voltou a ocorrer a 13 de Maio de 2017, numa altura em que eu estava por outras paragens do oriente, onde o assunto passou completamente despercebido. 
Se a visita do Papa Francisco na comemoração dos 100 anos de Fátima estava prevista, já a vitória do Festival da Eurovisão foi uma completa surpresa, a que se juntou o inédito quarto campeonato consecutivo do Benfica, um ano depois de Portugal ter vencido o Campeonato Europeu... tanto mais que o treinador benfiquista iniciou o seu sucesso no clube de Fátima, e Rui Vitória sagrou-se campeão vencendo o Vitória, o clube de que era treinador antes de ser contratado pelo Benfica. Para completar a coisa, o intérprete da canção vencedora, sendo Salvador, tinha o nome apropriado à mensagem de Fátima.

Se na comemoração dos 50 anos, a invocação do FFF tinha o problema de Portugal não ter ganho nenhuma competição, e em especial o Festival da Eurovisão, que era coisa na altura tão desejável quanto um campeonato de futebol, nesta comemoração dos 100 anos, foi o tripleto completo, ao ponto de coincidir a satisfação no mesmo dia, para os cristãos benfiquistas.

A junção dos 3 eventos nesse sábado de 13 de Maio, não sendo milagre, deu todos os ares de parecer ser uma revelação do 3º segredo, não fosse conhecerem-se os arranjinhos do Festival da Eurovisão, e em não muito menor escala, do futebol nacional e internacional.

Para quem apreciar, fica aqui a comparação entre 1967 e 2017:
Eduardo Nascimento - "O vento mudou" (12º lugar, Eurovisão, 1967) 

Salvador Sobral - "Amar pelos dois" (1º lugar, Eurovisão, 2017)

No final, na performance do vencedor, Salvador convida a irmã, e diz no meio da canção (5:25):
"Um abraço para Portugal!.... isto estava tudo comprado, na verdade!" 
... ou, menos ironicamente, como Luísa Sobral referia em 2011, 

... ou como é salientado na wikipedia: «This was Portugal's first win – and first top five placing – in 53 years of participation, the longest winless run by a country in Eurovision history.»